domingo, 16 de fevereiro de 2014

Portugal Terra de Mistérios Paulo Alexandre Loução. «… o pequeno templo, que em tempos comportava um mosteiro pertencente aos cónegos regrantes de Santo Agostinho, é marcado por expressiva sobriedade típica da arte românica…»

Cortesia de wikipedia e jdact 

Portugal Mítico
O mistério da cruz templária
«(…) Com a queda do império romano do Ocidente, no século V, a Europa entra numa profunda regressão cultural. O caos é completo, a barbárie e o desespero psíquico deixam os povos num estado de grande depressão, superstição e confusão mental; impera um estilo de vida primitivo e rústico. Por mais teorias que alguns historiadores defendam sobre a Luz na Idade Média, jamais se poderá escamotear a verdadeira idade obscurantista que constituíram, sem dúvida alguma, os séculos da Alta Idade Média, ou seja, as primeiras centúrias a seguir ao descalabro de Roma. Ler e escrever chegou a ser considerado diabólico; acreditava-se na fecundação das raparigas e das religiosas sem a intervenção masculina através de um ar espermático; após o grande ideal de higiene dos romanos, que nas suas majestosas termas cultivavam a máxima grega de mente sã em corpo são, muitas destas termas, como as de Caracala em Roma, não apenas se dedicavam ao corpo como também eram palco de inúmeras actividades artísticas, como exposições de arte e concertos de música, a sujidade chegou a ser um ideal medieval. Só para dar um exemplo do fanatismo medievo citamos a demolição da enorme estátua da deusa Atena do Partenon, de ouro e marfim, obra de Fídias, para aproveitar o ouro fundido com o escopo de fazer pequenos amuletos cruciformes. A preservação da cultura ocidental foi possível graças aos árabes que viviam em áreas limítrofes do império romano; e ao trabalho das primeiras ordens monásticas, entre as quais se destaca a de S. Bento.
Apesar do anátema da Igreja lançado sobre as tradições religiosas da antiguidade, alguma da antiga sabedoria foi assimilada pelos monges e eremitas medievais. Sabe-se hoje que muita da tradição pagã foi assimilada sob formas cristianizadas. O problema é que a chave mistérica já tinha sido perdida, ou perdeu-se, entretanto. Mais do que o clero secular, normalmente demasiado absorvido por questões de ordem política, o clereo regular teve uma acção preponderante no necessário fortalecimento espiritual da Europa, para que esta pudesse de alguma maneira renascer das cinzas. Um estudo de Jeff Sawward mostra a relação dos locais sagrados da Europa pré-cristã com os primeiros mosteiros da Ordem de S. Bento, ou seja, demonstra que estes conheciam a rota telúrica dos lugares sagrados. As ordens monásticas, os eremitas cristãos e todo o ambiente do cristianismo do primeiro milénio deixaram uma marca profunda no Centro e Norte de Portugal. São o alvor do passado mítico que evocamos. Esse cristianismo, ao contrário da exposição da historiografia catolicista, foi plural. Basta lembrar o gnosticismo prisciliano, a ortodoxia de Paulo Osório, discípulo de S. Agostinho, que na sua Cidade de Deus veicula a filosofia mística de Plotino e uma concepção platónica da realidade, assim como a específica espiritualidade moçárabe, para além do cristianismo ariano que durante séculos foi a religião oficial dos Visigodos, Suevos e outros povos germânicos.
Desse tempo ficaram-nos alguns monumentos, poucos, embora preciosos, como documentos de uma época, mas é no período românico dos sé4culos XI e XII que encontramos uma riqueza impressionante de símbolos, vestígios de uma sabedoria arcaica ainda hoje praticamente indecifrável. Rota do românico no Norte de Portugal é algo de absolutamente deslumbrante e riquíssimo como património cultural, não apenas num âmbito nacional como europeu. Nestes templos românicos encontramos também a influência das Ordens de Cister e do Templo. E é na totalidade, frisamos, na totalidade destes templos românicos que encontramos insculpida a cruz orbicular (que tem forma de orbe, globular, esférica), que viria a ficar mais conhecida como cruz templária, visto que a Ordem dos Cavaleiros de Salomão a adoptou como sua insígnia principal no reino português. Por exemplo, no templo românico de S. Cristóvão de rio Mau, perto de Vila do Conde, encontramos esta cruz insculpida ao redor de todo o templo. Este facto revela bem a importância deste símbolo como talismã protector. 

«Situado em Vila do Conde, o pequeno templo, que em tempos comportava um mosteiro pertencente aos cónegos regrantes de Santo Agostinho, é marcado por expressiva sobriedade típica da arte românica. Apesar de se tratar de uma edificação regional, levantada em granito de segunda escolha, nem por isso deixa de revelar certa qualidade construtiva. Nesta edificação facilmente se percebe que o corpo e a cabeceira não foram feitos pela mesma mão, nem os materiais utilizados são da mesma qualidade.A fachada principal, construída em silhares de granito, é dominada por um alçado ressaltado em relação ao resto do frontispício, onde se inscreve um pórtico de três arquivoltas ligeiramente elevadas, arredondadas e molduradas, no contorno externo, por friso de elegantes entrançados. As arquivoltas são sustentadas por seis colunas (três de cada lado) capitelizadas e preenchidas com ornatos de cariz vegetalista. No tímpano encontra-se incipiente baixo-relevo, tendo ao centro uma figura com mitra e báculo, abençoando no meio da representação de duas figuras atarracadas, ostentanto livros abertos. Um pássaro sob um sol e uma sereia, segurando uma lua, ladeiam este conjunto. Remata o alçado empena triangular coroada com cruz inscrita num círculo, semelhante à da Ordem dos Templários. Nas fachadas laterais aparecem-nos duas outras portas, uma delas com o tímpano preenchido por dois dragões a lutar e uma moldura ressaltada suportada por dois modilhões. O interior, de nave única e planta retangular, é realçado por um baixo-relevo representando um Agnus Dei, reminiscência da fase românica inicial. O arco triunfal é composto por três arquivoltas de arestas sustentadas por colunas de diferentes perfis. A capela-mor é construída em bom granito, constituindo o trecho mais valioso desta igreja. Separada em dois setores pelo lançamento de um arco que reforça a cobertura de abóbadas de berço, ela é valorizada pela arcaria cega de colunas capitelizadas nas paredes. Os capitéis são trabalhados numa peculiar iconografia, onde se representam toscas e volumosas figuras humanas, animais fantásticos e aves de grande efeito plástico». In Infopédia. 
 
 
O templo românico é um espaço sagrado onde reina o cosmos, protegendo o homem do caos, da instabilidade e insegurança, que vigora no exterior». In Paulo Alexandre Loução, Portugal, Terra de Mistérios, Edições Ésquilo, 2001, ISBN 972-8605-04-8. 

Cortesia de Ésquilo/JDACT