Uma Infanta entre Castela,
Aragão e Portugal
Uma herdeira muito pretendida
«(…) Existe, porém, um relato alternativo a este na mesma crónica que
afirma que D. Leonor seria já
casada com um cavaleiro vassalo do rei, um tal Dia Sanchez de Rojas, que
o duque de Benavente mandara matar por dois homens seus porque pretendia desposá-la.
Parece, no mínimo, estranho que o cronista narre estes acontecimentos como
tendo decorrido dois anos após os anteriores, sem se importar com a
contradição. Contudo, há uma versão diferente e mais romanesca ainda deste
episódio noutra fonte um pouco mais tardia, que não implica um anterior
consórcio da donzela. Nela, o tal Dia de Rojas, chamado Diego,
era casado, sim, mas com uma irmã bastarda de D. Leonor que andava a tratar do
casamento dela com o duque, sendo ela já, prometida ao infante Fernando...
Tendo Diego descoberto a tramoia, denunciara-a ao rei, que pusera a condessa
a recato. Por vingança, Fadrique mandara então matar o denunciante e
tomara a viúva por manceba, por ser muito formosa. É certo que há dúvidas a
respeito da existência da tal irmã ilegítima de Leonor de Alburquerque.
Mesmo assim, pensamos que esta história, verdadeira ou inventada, foi posta a
circular e registada nas crónicas para testemunhar os extremos a que fora capaz
de ir Fadrique no seu desejo, político, porque do outro nada sabemos...,
de se unir à condessa de Albuquerque em prejuízo do seu soberano, Enrique III.
Um pai infante de Castela, Fernando de seu nome
Nascido em Medina del Campo em finais de novembro de 1380, e por isso seis anos mais novo do
que a sua prometida, o infante Fernando era o segundo filho de Juan I de
Castela e da sua primeira esposa, a entretanto falecida Elionor (mais uma...)
de Aragão, filha de Pere IY, o
Cerimonioso, e irmã de Martí, o
Humano monarcas dessa Coroa. Assim, do lado paterno, corria nas veias da nossa rainha sangue castelhano e aragonês.
Nas Cortes de Guadalajara, celebradas em 1390, pouco antes da sua morte, Juan I dotara o seu segundogénito
com o senhorio de Lara, o ducado de Peñafiel, o condado de Mayorga, as vilas de
Cuéllar, San Esteban de Gormaz e Castrojeriz, assim como uma renda de meio
milhão de maravedis anuais cobrada sobre o tesouro real. A isso acrescentou, no
seu testamento, as cidades de Medina del Campo e Olmedo, de que desfrutava
então D. Constanza, duquesa de Lancaster, mas que seriam entregues ao infante
quando vagassem. Com a sua união com D. Leonor de Alburquerque, o infante
Fernando tornava-se no senhor mais poderoso de Castela, detendo territórios que
se estendiam praticamente sem interrupção da fronteira de Portugal à de Aragão.
O casamento com Leonor de Albuquerque
Negociado o casamento entre Fernando e Leonor em 1390, a boda propriamente dita só teve lugar alguns anos mais
tarde, depois de Enrique III ter atingido 14 anos, podendo por fim
consumar o matrimónio com Catalina de Lancaster, a quem estava prometido desde o
Tratado de Baiona, de 1383. É que, nesse acordo que pusera
fim às pretensões do duque de Lancaster e de sua esposa Constanza (filha de
Pedro, o Cruel) ao trono de Castela,
ficara estipulado que, se o infante primogénito morresse antes dessa idade,
seria substituído pelo seu irmão mais novo. Assim, Fernando só teve
autorização para se consorciar com Leonor Urraca após Enrique III ter tomado
solenemente Catalina como sua esposa, em 1393.
Podemos, no entanto, interrogar-nos se mesmo então o casamento foi efetivamente
celebrado, pois o infante não teria ainda a idade canónica necessária para o
fazer. Para melhor entender a questão, vejamos em que consistiam as regras da
instituição matrimonial, que na Idade Média eram bem diferentes das de hoje
e nos causam alguma estranheza. Nesse tempo, as famílias podiam negociar o
casamento dos seus rebentos praticamente desde o respectivo nascimento, mas
para que tais laços permanecessem válidos, era necessário que os interessados os
confirmassem ao chegarem aos 7 anos, considerados a idade da razão. A partir de então,
podiam celebrar-se os chamados esponsais, em que os noivos manifestavam a sua
vontade de efectivarem a união no futuro (por isso se chamavam também casamentos
por palavras de futuro). Eram, então, considerados casados e tratados
como tal. Mas só quando atingissem a puberdade e ficassem aptos a procriar,
o que acontecia aos 12 anos para as raparigas e aos 14 para os rapazes,
podia efectuar-se a cerimónia solene perante um sacerdote (também designada casamento
por palavras de presente) e a consumação carnal, que tornavam o
matrimónio irreversível. Até então, havia sempre a possibilidade de quebrar as
promessas, o que levou à multiplicação de juramentos e à solicitação de
garantias para evitar que tal acontecesse». In Ana Maria S. A. Rodrigues, As
Tristes Rainhas, Rainhas de Portugal, coordenação de Ana Maria S. A. Rodrigues,
Isabel Guimarães Sá, Manuela Santos Silva, Círculo de Leitores, 2012, ISBN
978-972-42-4708-3.
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