quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Dona Teresa. A Primeira Rainha de Portugal. Prefácio de G. Oliveira Martins. Marsilio Cassotti. «Pouco se sabe da infância de Sancha de Leão, avó paterna de D. Teresa. Apenas que teve por aia uma mulher, de nome D. Fronilde, provavelmente galaico-portuguesa»

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As Antepassadas Portucalenses (783-1014)
«(…) Animados com a facilidade da conquista, em 989 uma parte do exército islâmico chegou inclusivamente ao coração do reino. Leão não se salvou da devastação. Montemor e Viseu caíram em mãos dos muçulmanos. A cidade, que tão unida estava à meninice de alguns infantes leoneses, perdeu-se. Recuperá-la ia tornar-se quase numa obsessão para a família real. A escassa capacidade do poder central para fazer frente aos ataques exteriores de finais do século X iria acentuando as diferenças entre as regiões a norte e a sul do Minho. Enquanto a zona nortenha se manteria próxima da coroa, as terras do sul ganhariam cada vez mais autonomia, incentivadas pela posição geográfica e pelas características orográficas de um território rodeado de montanhas. O crescimento dessa consciência diferenciada do resto dos territórios do reino leonês coincidiria com o progressivo enfraquecimento de alguns ramos das famílias nobres mais antigas, devido à sua forte endogamia.
Apesar de todos os descalabros, o filho e sucessor de Gonçalo Mendes, o conde Mendo Gonçalves, trisavô de D. Teresa de Portugal, chegaria a ter uma grande influência na corte. Com a morte do rei Bermudo II de Leão (951-999), fez valer a sua proximidade do herdeiro, o pequeno Afonso V (999-1028), bisavô de D. Teresa, o que deu ao novo rei o apoio dos magnates que giravam à volta dele. O conde Mendo morreu em 1008, segundo o Chronicon Lusitano, que dá estritamente a notícia, parece que assassinado, talvez por ordem de um conde castelhano, tio materno do infante, com o objectivo de desvincular a coroa da influência portuguesa. Nesse mesmo ano deu-se a desintegração do refinado califado de Córdova. Os pequenos reinos independentes, chamados taifas, que ocuparam o seu lugar, eram vistos como uma presa mais fácil para os cristãos, o que levaria a que solicitassem ajuda aos mais aguerridos correligionários berberes do norte de África, os fanáticos almorávidas.
Afonso V de Leão tinha então catorze anos. Ao fazer vinte, em 1014, os documentos da sua chancelaria mostram-no casado com a sua antiga companheira de infância, D. Elvira Mendes, filha do falecido conde Mendo e bisavó de D. Teresa de Portugal, a segunda nobre portucalense desse nome que foi rainha de Leão. Uma vez que a idade dela devia andar próxima da dele, numa época em que as mulheres costumavam ser muito mais jovens do que os maridos, poderia pensar-se que os sentimentos podem ter tido tanta importância como as razões estratégicas naquele casamento. D. Elvira deu ao marido dois filhos, Sancha e Bermudo.

Neta de uma ‘Rainha Proprietária’ (1014-1072)
Pouco se sabe da infância de Sancha de Leão, avó paterna de D. Teresa. Apenas que teve por aia uma mulher, de nome D. Fronilde, provavelmente galaico-portuguesa. A maior parte dos textos espanhóis sobre a história dessa época chamam galegos aos nascidos nos territórios a sul do Minho, baseando-se no facto de que estes tinham pertencido ao reino da Galiza. Pelo contrário, são bem conhecidos os acontecimentos que durante esse período afectaram o futuro reino da sua neta. Com o laconismo próprio dos anais medievais, o Chronicon Lusitano assinala que em 1022 os normandos atacaram um castelo que Bermudo tinha em território bracarense. D. Sancha recordaria esse ano como o da morte da mãe, D. Elvira Mendes, ainda relativamente jovem, possivelmente de um mau parto, uma das causas principais da mortalidade das mulheres casadas naquela época.
Enquanto o pai voltava a contrair matrimónio com uma infanta navarra, D. Sancha permaneceu com a aia, a quem o rei, como agradecimento pelo muito que teria feito pela filha, outorgou um importante donativo, a carta de couto do mosteiro de San Esteban de Piavela. Isso consistia num privilégio que proibia a entrada dos oficiais reais nas suas propriedades e terras, e que eximia as mesmas do pagamento de certos impostos. Quando atingiu a maioridade, D. Sancha começou a viver regularmente no mosteiro de São Pelayo de Leão, agora sob a invocação de São João Baptista, do qual chegaria a ser abadessa, mas sem votos, segundo um documento posterior. Nele declarava: Eu, Sancha, rainha, apesar de ser a domina do referido mosteiro, no entanto quero considerar-me entre as freiras e clérigos, como uma de tantos. Pelo que se conhece da sua conduta posterior, D. Sancha deve ter praticado pouco a humildade, embora fosse dotada da capacidade de a fingir quando era necessário. Enquanto fazia os seus primeiros exercícios de poder no mosteiro, o pai ia impondo um tipo de autoridade que um par de reinados antes não se conhecia. Aproveitando a dissolução do califado cordovês, Afonso V decidiu dar um novo impulso à reconquista dos territórios ocidentais, em retrocesso desde as avançadas de Almançor». In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal, Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.

Cortesia da Esfera dos Livros/JDACT