«(…) A história
económica, de carácter embora erudito e descritivo, emerge, de novo, na paleta
dos temas historiográficos, no seguimento de historiadores como Pirenne
ou Charles Verlinden, entre outros, sobretudo nas obras de Virgínia
Rau, em especial os seus trabalhos sobre o comércio do sal, as feiras, mas
também as sesmarias. E esta influência da historiografia estrangeira
patenteia-se mesmo em historiadores tradicionalistas como Torquato Sousa
Soares, que atenta no desenvolvimento do comércio e dos burgos, ou em Avelino
Costa que, na sua tese de doutoramento sobre a diocese de Braga, no século XI, durante o bispado de Pedro,
apresenta páginas muito inovadoras, e ainda hoje actuais, sobre demografia,
produções e rendas agrícolas pagas à Igreja.
Não era ainda o desejado
vento da mudança. Basta lembrar que em França, na década de 1930-1940,
depois da II Grande Guerra, a história se renovava sob a influência da
ideologia marxista e do nascimento da revista
Annales. Nascia um novo
espírito de investigação que fazia apelo a outras disciplinas, da geografia à
sociologia e economia, e não se confinava ao documento escrito nem à história
descritiva, mas se abria à história-problema e à reflexão sobre as
grandes crises! Obras de Labrousse sobre o movimento dos preços e a crise
económica do antigo regime inauguravam uma nova história quantitativa e serial.
História que procurava compreender as estruturas da sociedade, analisando as
relações de produção, rendas e salários, atentando no jogo das hierarquias
sociais, abrindo-se ao colectivo dos grupos e classes, como jogo histórico, e
negando-se ao optimismo de campos específicos, em nome de uma história total e
global, atravessada por todos os principais fenómenos económicos, sociais e
culturais.
Marca maior nas gerações
vindouras deixou a obra de Fernand Braudel, O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Filipe II
(1949). Inaugura-se uma geo-história, descobrindo-se a relação entre espaço
e tempo e o diálogo complexo dos ritmos braudelianos da longa e curta duração,
do tempo muito longo da relação do homem com o meio, do ritmo lento das
civilizações e sociedades e do tempo curto do acontecimento. Essa nova história
económica, influenciada pela escola dos Annales
e por esse mestre que foi Braudel, surgirá, entre nós, justamente com as
obras de Magalhães Godinho, em especial A economia dos descobrimentos henriquinos (1962) e Os descobrimentos
e a economia mundial (1963-71), apontando para uma análise de
complexos histórico geográficos, uma história total, privilegiando os métodos
quantitativos e seriais, que então renovavam a investigação histórica. Muitos
serão, depois, os seus discípulos, que dinamizarão a história económica das
épocas moderna e contemporânea.
A par deste arejamento
da historiografia portuguesa, promissor de boas colheitas, não devemos esquecer
o esforço de actualização nos conhecimentos que o Dicionário de História de Portugal, dirigido por Joel
Serrão, e iniciado em 1961, se
propunha, compilando artigos temáticos, bem atualizados, da autoria dos
melhores especialistas. Em consentâneo, sentia-se também a influência do
pensamento de certos autores de formação marxista que desenvolviam as suas
teorias interpretativas na análise de vários aspectos da problemática
histórica, tais como Armando Castro nos seus vários volumes sobre A evolução económica de Portugal dos
séculos XII a XV (1964-70); António Borges Coelho, com as suas
obras A Revolução de 1383 (1965) e Comunas e concelhos (1973); ou mesmo Álvaro
Cunhal com o trabalho As
lutas de classes em Portugal nos fins da Idade Média (1975). Foquemos
agora mais de perto a história medieval e mesmo a história rural, apresentando
dois grandes mestres que formaram escola e um largo discipulado, criadores de
novos corpos de mestres e discípulos». In Maria Helena Cruz Coelho, Balanço sobre a
História Rural produzida em Portugal nas Últimas Décadas, Conferência,
Mestrado em História das Sociedades Agrárias, Universidade Federal de Goiás, 1997, Faculdade
de Letra, Coimbra, História Revista, 2 (I), 1997.
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