terça-feira, 5 de agosto de 2014

Sancho I. O Filho do Fundador. Maria Violante Branco. «… vigor das chamadas monarquias nacionais e à afirmação inequívoca do poder pontifício e imperial, na sequela da reforma gregoriana, da querela das investiduras, da universalização do uso do direito romano…»

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A Longa Espera pelo Trono. O mundo que viu Sancho nascer e crescer
«(…) Se o que podemos saber da infância do jovem príncipe, no que diz respeito aos aspectos mais pessoais da sua criação, é muito reduzido, o mesmo não se pode dizer da época em que nasceu e cresceu, sobre a qual estamos muito bem informados. Sancho I veio ao mundo numa das fases mais determinantes do século em que nasceu. Nascido em meados do século XII, entraria na idade adulta no limiar de uma das décadas mais agitadas e inovadoras dessa centúria, quer para a história de Portugal, quer para a história peninsular, quer para a história da restante Europa ocidental, animada, reanimada e sacudida por sucessivas convulsões e inovações: a década de70. O jovem infante nasceu em Novembro de 1154, o que coincide precisamente com um dos períodos mais acesos da querela entre os poderes espiritual e temporal, quando a oposição entre o Papado e o Império estava ao rubro. Ora essa conjuntura não pode ter deixado de marcar o seu crescimento e até a sua formação. Pouco sabemos da sua educação, mas um número significativo de sinais, aliados à qualidade dos membros da sua corte e dos seus conselheiros e do pessoal técnico que povoava a sua chancelaria e administração, permitem-nos considerar que os que rodeavam mais proximamente o futuro rei acompanhavam de perto os acontecimentos mais marcantes do restante Ocidente cristão.
Este facto deve ser responsável por muita da modernidade e da actualidade do exercício do munus real tal como Sancho decerto o aprendeu na sua primeira juventude. O jovem infante pode ter estado alheio às mudanças e importantes alterações do século em que nasceu, mas aqueles que o ladearam durante todo o seu crescimento sabiam muito bem em que águas se movimentavam e como fazê-lo comparticipar dessas tendências. Tenhamos presente que o século XII é o momento que assiste ao determinante surto urbano e comercial que se desencadeia na sequência dos progressos demográficos e económicos das centúrias anteriores, que este é o século que assiste à recuperação do vigor das chamadas monarquias nacionais e à afirmação inequívoca do poder pontifício e imperial, na sequela da reforma gregoriana, da querela das investiduras, da universalização do uso do direito romano e da divulgação do direito canónico.
Este foi o século que assistiu aos cismas mais prolongados e confusos até finais do século XIV, às intromissões do Império na vida do Papado, às grandes Cruzadas, ao nascimento da Ordem de Cister, ao nascimento das mais importantes ordens de cavalaria militar, do sic et non abelardiano, de São Bernardo, de João Salisbúria, de Graciano e seu Decretum, enfim, ao pujante renascimento das próprias universidades. Este foi o século que assistiu à redefinição das estruturas governativas e à teorização da vida política, num universo marcado pela nunca resolvida interdependência e conflitualidade entre os poderes do Sacerdotium e do Imperium e das ambições sempre crescentes dos monarcas progressivamente mais centralizadores dos diversos reinos da Europa ocidental, onde a entrada de pessoal administrativo especializado nas estruturas de governo vai alterar definitivamente a forma como as monarquias se organizam e funcionam. Alterando, também, e de forma definitiva, o próprio conceito de soberania régia e a forma como os reis se relacionavam com os restantes corpos sociais dos reinos, quer internamente, quer fora dos limites dos territórios sobre os quais imperavam. Este é, por isso, e sobretudo, um século de redefinição dos poderes e de rearmonização dos seus territórios, físico e simbólico. Sancho seria, desde muito cedo, chamado a desempenhar um lugar destacado no reino nascente. Herdeiro da política de Afonso Henriques, cuja autonomização como rei independente fora feita à custa de processos de afirmação de poder de monarquias singulares tão em voga no seu tempo, receberia um património cuja afirmação ainda não tinha sido totalmente conseguida, antes continuava a necessitar de ser construída quotidianamente. Não podemos imaginar que Sancho não tivesse consciência disto, nem que desconhecesse o tipo de poder real e soberania tal como o século XII os concebeu». In Maria João Violante Branco, Sancho I, O Filho do Fundador, Temas e Debates, Livraria Bertrand, 2009, ISBN 978-972-759-978-3.

Cortesia de Bertrand/JDACT