E Todos os Caminhos levam ao Falcão da Luz de Maio
«(…) Por isso Jaime foi solto e o cadáver, ou o que restava dele, do
infeliz infante
foi, por ordem do Rei, para o castelo de Abrantes, e confiado a Lopo
Almeida que acabou por receber, tempo depois, o título de conde de Abrantes.
Castela refilou, mandou o seu embaixador com uma instrução sobre a morte do
Infante... Quem ganhou com o negócio foram os eclesiásticos que tinham participado
no partido e no apoio a Pedro, a
quem foram restituídas dignidades e benefícios, mas Afonso V respondeu ao papa
pedindo rescisão de tais determinações e frisando a rebeldia do tio contra a
Coroa... e manteve-se surdo aos pedidos da tia D. Isabel de Borgonha. Só
anos depois, em 1455, quando a
Rainha estava grávida pela última vez, ela conseguiu a promessa do marido de
que o corpo do pai seria depositado no túmulo construído para conter os seus
despojos mortais... De resto, a transladação foi, depois, entregue aos cuidados
do Infante Henrique, de Abrantes para Lisboa.
No mundo tudo seguia a ordem natural das coisas e nela integrava-se a
minha família também. Foi no ano de 1451,
quando o sultão Mohamed II sucedeu a Murad, que meus pais saíram de Florença e
atravessaram parte da Europa até Sevilha e, depois, para Portugal. Podíamo-nos
ter acoitado a qualquer das comunas judaicas de Portugal, como alguns discretos amigos nossos, mas meus pais
eram cristãos, tal como meus avós, que tinham decidido a conversão ao
cristianismo. O mesmo sucedeu com muito boa gente para salvar-se da morte, da perseguição,
da suspeita ou de perder seus bens e familiares. No entanto, todos nos
conhecemos, os Palaçanos, os Negros, os Abravanel, os Jachia também
Negros, e outros como mestre Tadeu Bueno que era parente de Rebeca Bueno,
mulher de meu outro mestre e amigo, ainda vivo, graças a Deus, o físico João
Paz, que também se converteu depois de vir com el rei Afonso do Norte de
África. Meus avós eram de Espanha e quando um dia ouviram repetir uma das
conclusões de um sínodo, talvez de Avinhão ou Béziers, não interessa, de que para um cristão mais vale morrer do que
dever avida a um judeu acharam que os tempos não corriam a favor e mudaram
de vida e de país depois. Isso coincidiu com uma ordem de Maio de 1415, quando a alta hierarquia da igreja
decretou a destruição do Talmude, em Aragão.
Começou o terror, as perseguições, a segregação. Foi por pouco tempo porque
o Concílio de Constança destituiu o papa, mas depois de tanta violência
e sangue derramado, meus avós partiram e, de bagagem às costas sobre o dorso
das mulas ou em carroças e depois por barco de Barcelona até Marselha e de novo
por terra, fixaram-se em Florença. Durante uns tempos, até à morte, não
escutaram ninguém lhes chamar marranos,
porcos, falsos cristãos. Meus pais resolveram regressar porque em Portugal
vivia-se bem e, embora os judeus de vez em quando sofressem seus dissabores,
eles continuavam cristãos e cristãos convictos. Minha mãe era uma mulher jovem,
casada com um cristão converso também que voltou a usar o nome de família Roiz.
Mas vieram primeiro para Évora e depois para Lisboa onde meu pai abriu uma oficina
de copista de livros e de cartografia e onde tinha a ajudá-lo um jovem
veneziano que se chamava Paolo Malocello e depois um genovês amigo de saias em
extremo, sonhador como o sonho, Rainiero, que entrou na família e foi um bom
companheiro de caminho e como um irmão mais velho para mim. Após a controversa
questão do Regente e a cessação dos seus desejos de centralização do
poder nas mãos reais, tudo acalmou e o infante Henrique, de acordo com o rei que apoiava as
suas pretensões expansionistas, recomeçou os seus planos de conquista das
cidades do Norte de África. O rei todo se envolveu nesse esquema, com uma
paixão que nunca esmoreceu. Entretanto, não paravam as concessões de benesses
aos opositores do infante-regente Pedro». In Seomara Luzia da Veiga Ferreira, Crónica
Esquecida d’el rei João II, Editorial Presença, Lisboa 1995, 4ª edição, Lisboa
2002, ISBN 972-23-1942-6.
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