sábado, 30 de agosto de 2014

O Mediterrâneo como fonte de informação do Oriente. Martim Lopes. «Começa o doutor Martim Lopes por tecer considerandos sobre as viagens empreendidas por portugueses no decorrer do século que então findava, fazendo especial menção das que realizaram em tempo do Infante e dos reis Afonso V e João II»

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«Até hoje ainda se não conseguiu descobrir qualquer pista que nos informasse com segurança quem terá sido o doutor Martim Lopes. Da carta que de Roma escreveu ao rei Manuel I, em 1 de Fevereiro de 1500, publicada por António Baião, que a encontrou no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, pode depreender-se que vivia habitualmente na corte romana; e é também lícito concluir, e de um modo irrefutável, que tinha a curiosidade aguçada para o conhecimento de novos reinos e de novas terras, pois a carta é quase que exclusivamente dedicada a indicações sumárias sobre os seus itinerários de andarilho. Vamos seguir essa única fonte de informação de que dispomos sobre as suas aventuras. Começa o doutor Martim Lopes por tecer considerandos sobre as viagens empreendidas por portugueses no decorrer do século que então findava, fazendo especial menção das que realizaram em tempo do Infante e dos reis Afonso V e João II; todavia, alude a elas de um modo geral, apenas reconhecendo que todas se tinham dirigido para sul. A essas viagens havia que acrescentar a grande expedição de Vasco da Gama, efectuada já no reinado do monarca a quem se dirigia e que tinha levado os Portugueses à Índia e, segundo ele diz, com claro exagero, também ao mar Vermelho. Com efeito, é bem sabido que até à data em que a carta foi subscrita nenhuma embarcação portuguesa tinha penetrado nesse mar. Por outro lado, não pode deixar de ser assinalado que, apesar de a notícia da viagem de Gama se ter espalhado rapidamente pela Europa, Martim Lopes não parece mostrar-se muito seguro da sua realização; as informações sobre essa recente e decisiva expedição tinham-lhe chegado, aliás, por via oral, circunstância que o aconselhava a não ser afirmativo, como deixa expresso através de duas palavras cautelosas segundo dizem que intercala no trecho em que a ela se refere. Verificando que a tendência dos seus compatriotas viajantes era dirigirem-se para o Meio-Dia, e que poucos ou nenhum, entre os que seguiam para o Norte, ultrapassavam a Inglaterra e a Flandres, tomara ele mesmo a decisão de empreender uma viagem de horizontes mais largos, ou seja, no sentido de fazer o conhecimento de regiões da nossa gente não sabidas, como escreve. A carta reduz praticamente a peregrinação realizada às suas escalas mais importantes. Diz Martim Lopes que, ao sair de Roma, se dirigira à Alemanha, e daí descera a Esclavónia; esta designação ptolomaica (como aliás muitas outras da missiva, o que se assinalará em cada caso) veio mais tarde a ser substituída por Eslavónia, e integrada na Croácia; abrangia três condados, e chegava até o Adriático. Da Esclavónia passara à Boémia (também assinalada nas tábuas das edições ptolomaicas), à Hungria, à Polónia e à Valáquial esta última nação era, ao tempo, um principado danubiano, que está hoje integrado na Roménia, constituindo a área a poente desta república. Deixando a Valáquia, entrara na Turquia, que visitara em grande parte, na Rússia (entendida aqui, como é evidente, no sentido clássico da designação) e na Tartária, ambos topónimos registados nas tábuas das edições quatrocentistas de Ptolomeu, esclareça-se que a Tartária se estendia até o mar Negro, ocupando uma boa área da actual Ucrânia. Continuando no sentido do sul, atingira o mar (ou lago) Meotes (ou seja, o Palus Maeotes de Ptolomeu), identificável com o mar de Azove sem qualquer sombra de dúvida. Esclarece o doutor Martim Lopes que daí se podia passar por terra, em poucas jornadas, ao mar Vermelho, à Arábia e ao Egipto; mas não quantifica os dias de viagem nem diz qual a via a seguir. Continuando o seu caminho, atingira o rio Tanais (quer dizer, o Don), que em certa cartografia medieval aparece representado a separar a Europa da Ásia; para o signatário da carta que se está a seguir, essa separação fazia-se, porém, nos montes Rifeios, como ele diz aliás expressamente. Os montes Rifeios são identificáveis com os Cárpatos, e neste sentido o autor não teria razão ao indicá-los como zona fronteiriça entre os dois continentes só, porventura, o terá feito porque a Turquia se estendia então pela Europa, e a Turquia era asiática. Não seria, porém, a única fronteira e ele mesmo parece dar-se conta disso quando escreve que ali soubera que os chamados montes Hiperbóreos não ficavam muito distantes, e que, para além deles, e não muito distanciada, se situava a India». In Luís de Albuquerque, Navegadores, Viajantes, Aventureiros Portugueses, Séculos XV e XVI, Afonso de Albuquerque, Editorial Caminho, Lisboa, 1987.

Cortesia de Caminho/JDACT