A uma
Rapariga Linda e Doente
«Há
frio no meu quarto onde sopra o nordeste,
branca
parede está de retratos despida,
é
de neve a ciência a que votei a vida,
deserto
sem calor o da minh’alma agreste.
Frio
não é Camões, que nunca talvez leste,
quando
Lianor cai pela fome vencida;
ardente
foi também a paixão dolorida
que
ao encerrar-me aqui senti por ti, Celeste.
Brasa
que se extinguiu, quimera que passou!
Diz-me
uma voz que Deus ao tísico outorgou
o prazer
de estudar, mas não o de casar.
Doce
esquivança a tua e foi Deus que a mandou.
Minh’alma
já não sonha o bem que então sonhou
e
há muito tempo já por ti só quer’ rezar.
II
A
minha poesia, eco do meu penar
ou
sonho cerebral para o verso transcrito,
nasceu
no sanatório e num quarto maldito
que
o matutino sol não vinha visitar.
De
longe em longe a aurora, em rápido passar,
dourava
o pinheiral e à noite aerolito
de
rumo incerto e vão fendia o infinito...
Mas
tudo era fugaz, como a espuma do mar.
Hoje
mudei de quarto... Alma desoprimida
horizontes
de luz a tragos eu bebi
e
a cura divisei que julgava perdida...
E
tu, linda Celeste, irmã que eu tarde vi,
és
a estrela a dizer ao náufrago da vida:
não te posso valer, mas tenho dó de ti.
III
Celeste,
eu já parti… desta vez foi verdade.
Febre,
sangue a correr, a saúde perdida
fez
os meus procurar a mudança de vida
que
dê vida às visões da sua ansiedade.
E
tu foste ao partir anjo de caridade
dando-me
o coração em terna despedida.
Vi
então a amparar-me em trágica descida
a
Heloísa ideal da minha mocidade.
Deus
há-de coroar tua fronte formosa
pois
bálsamo trouxeste ao pobre Prometeu
Agrilhoado
ao leiro, à noite dolorosa.
Onde
vou? Ninguém sabe. À morte? À vida? Ao céu?
...
Quiseste ser p’ra mim a aurora luminosa
de
um dia mais feliz que nunca amanheceu.
Sonetos de Carlos Corrêa Silva, in ‘Visão Imperfeita dum Parnaso Cristão’, Imprensa
da Universidade de Coimbra, 1932