História do ministro do Centro Takafuji
«(…) Era em meados de Fevereiro, diante da casa, as ameixoeiras em flor
semeavam as suas pétalas aqui e ali; nos ramos mais altos, o rouxinol cantava a
sua pungente melodia e, no riacho do jardim, as pétalas deslizavam, levadas
pela água. Ao ver este espectáculo, o jovem sentiu-se profundamente emocionado.
Sem desmontar, como da primeira vez, transpôs o portal e só depois é que
desmontou. Chamou pelo dono da casa, que apareceu sem tardar, satisfeito com
aquela visita inesperada e desdobrando-se em atenções para o fazer entrar. A menina está em casa?, perguntou
logo o rapaz. Como a resposta era sim, todo contente, entrou na sala
que já conhecia. Ela estava por detrás da tapeçaria, meio escondida. Ele
aproximou-se: a rapariga era agora uma mulher tão bela que ele quase não a
reconhecia. Haverá neste mundo um ser
mais maravilhoso? Não será uma fada?, pensou. E, estupefacto, viu, sentada
junto dela, uma adorável menina, de uns cinco ou seis anos, de um encanto
indescritível. Quem é essa menina?,
perguntou. Ela baixou a cabeça sem responder e ele pensou que estava a chorar.
Ao ver o seu embaraço, não insistiu e chamou o pai dela, que veio prosternar-se
com todo o respeito diante dele, de mãos espalmadas sobre o soalho. Repetiu-lhe
a pergunta e o homem explicou: Noutros tempos,
honrastes-nos com a vossa visita e desde então a minha filha nunca se aproximou
de nenhum homem. Antes disso, era uma criança, e é claro que não conheceu ninguém.
Foi depois de vós terdes vindo que ela ficou grávida e esta criança nasceu.
Estas palavras perturbaram-no. Sobre o travesseiro da jovem, cuidadosamente pousada,
descobriu a sua espada. Que fortes eram
os laços que tecemos entre nós!, pensou, extremamente comovido. Olhou para
a menina, era o retrato vivo do pai, não havia qualquer dúvida. Ficou para passar
a noite. De madrugada, decidiu voltar para casa, mas, antes de partir,
anunciou: Venho buscar-vos em breve.
Como tinha curiosidade em saber quem era o dono daquela casa, informou-se e
disseram-lhe que era o chefe do distrito e se chamava Miyaji no Iyamasu.
Ficou muito surpreendido: Embora seja
filha de um homem de baixa condição, se eu a amo é porque o destino assim o
quis. No dia seguinte, apareceu num carro de bois com tecto e cortinas de
palha entrançada, escoltado por dois escudeiros. O carro avançou até à galeria.
A sua esposa e a menina subiram para o carro. Como não tinham dama de
companhia, o que não era decente, o rapaz pediu à mãe da jovem para os acompanhar.
Esta, mulher de uns quarenta anos, de uma beleza digna e serena, parecia a
esposa de um Administrador de Província. Enfiou os longos cabelos por
baixo de uma túnica amarelo-clara engomada, e, de joelhos, subiu para o carro.
Quando o quarto na residência do jovem senhor ficou pronto para as receber,
desceram do carro. Depois disso, ele nunca mais olhou para outra mulher, e os
dois esposos viveram muito felizes. Passado pouco tempo, nasceram-lhes mais
dois filhos, quase um a seguir ao outro.
O senhor Takafuji era um homem notável, fez uma carreira brilhante,
chegando a ocupar o cargo de Grande Conselheiro. A filha casou com o
imperador Uda, a quem deu sem tardar o príncipe herdeiro que reinou com o nome
de Daigo. Quanto aos dois filhos, o mais velho, Sadakuni, veio a ser Grande
Conselheiro e recebeu o título de General da Guarda Imperial da Direita.
Também era conhecido pelo nome de General de Izumi. O mais novo,
Sadakata, veio a ser Ministro da Esquerda e era conhecido por Ministro
da Esquerda de Sanjo. O avô, o Chefe de Distrito, passou para o quarto
escalão e foi nomeado Administrador-geral do Departamento das Reparações.
E quando o imperador Daigo subiu ao trono, Takafuji, seu avô, então Grande
Conselheiro, foi promovido a Ministro do Centro». In Pascal Quignard,
Histoiresd’Amour du Temps Jadis, Editiones Philippe Picquier, Arles, 1998,
Histórias de Amor de Outros Tempos, Retratos Vivos, tradução de Maria Vilar
Figueiredo, Edições Cotovia, Lisboa, 2002, ISBN 972-795-043-4.
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