Abandono
Por teu livre pensamento
foram-te longe encerrar
tão longe que o meu lamento
não te consegue alcançar!
E apenas ouves o vento!
E apenas ouves o mar!
foram-te longe encerrar
tão longe que o meu lamento
não te consegue alcançar!
E apenas ouves o vento!
E apenas ouves o mar!
Levaram-te a meio da noite;
a treva tudo cobria!
Foi de noite numa noite
de todas a mais sombria!
Foi de noite, foi de noite
e nunca mais se fez dia!
Ai! Dessa noite o veneno
persiste em me envenenar!
Oiço apenas o silêncio
que ficou em teu lugar.
Ao menos ouves o vento!
Ao menos ouves o mar.
persiste em me envenenar!
Oiço apenas o silêncio
que ficou em teu lugar.
Ao menos ouves o vento!
Ao menos ouves o mar.
Poema
de David Mourão-Ferreira, 10-IV-1959
Primavera
Todo
o amor que nos
prendera
como
se fora de cera
se
quebrava e desfazia
ai
funesta primavera
quem
me dera, quem nos dera
ter
morrido nesse dia.
E
condenaram-me a tanto
viver
comigo meu pranto
viver,
viver e sem ti
vivendo
sem no entanto
eu me
esquecer desse encanto
que
nesse dia perdi.
Pão
duro da solidão
é
somente o que nos dão
o que
nos dão a comer
que
importa que o coração
diga
que sim ou que não
se
continua a viver.
Todo
o amor que nos
prendera
se
quebrara e desfizera
em
pavor se convertia
ninguém
fale em primavera
quem
me dera, quem nos dera
ter
morrido nesse dia.
Poema
de David Mourão-Ferreira
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