«Um
poema é uma coisa sem importância»
A
Ana quer
«Ana
quer
nunca
ter saído
da
barriga da mãe.
Cá
fora está-se bem,
mas
na barriga também
era
divertido.
O
coração ali à mão,
os
pulmões ali ao pé,
ver
como a mãe é
do
lado que não se vê.
O
que a Ana mais quer ser
quando
for grande e crescer
é
ser outra vez pequena:
não
ter nada que fazer
senão
ser pequena e crescer
e
devez em quando nascer
e
voltar a desnascer».
Era uma vez
«A
Ana lê muito devagar,
só
uma letra de cada vez.
Enquanto
ela está a só uma letrar,
a
Sara letra duas ou três.
A
Ana tem tempo de lá chegar.
Os
pés, os tês, os bês, os mês,
não
fogem se ela se demorar.
A
Sara acaba e começa outra vez.
A
Ana 1ê e põe-se a pensar
nos
quês, nos porquês, nos para quês,
e
volta atrás para confirmar
porque,
afinal de contas, talvez.
A
Sara prefere entrar
nas
palavras, nos desenhos, e ficar.
Existir
nas histórias, em vez
de
ver, viver; em vez
de
pensar, de pausar, de perspicar,
ser
ela a ser o que o herói fez.
Sai
dos livros sem sair do lugar
e
corre o mundo de lés a lés.
A
Sara lê assim, a Ana mais devagar,
e
depois ficam as duas a conversar.
A
Ana conta: era uma vez…
E
a Sara: era eu uma vez...»
Poemas de Manuel António Pina, in ‘O Pássaro da Cabeça’
In Manuel António Pina, O Pássaro da Cabeça, 1983,
ilustração de Ilda David, Porto Editora, 2014, ISBN 978-972-072-679-7.
Cortesia
de PEditora/JDACT