«O Diabo
está nos detalhes. Rodeada de milhares de seguidores de Satanás, Evangeline Hollis
entendia agora a verdadeira essência do adágio. Alguns usavam bonés de basebol dos
Seattle Seahawks, outros, camisolas dos San Diego Charger, mas todos eles tinham
intrincados padrões, semelhantes a tatuagens tribais, desenhados na pele, que denunciavam
não apenas a espécie de ser amaldiçoado que eram, mas também a sua posição na hierarquia
infernal. Com a sua visão apurada, Eve encarava tudo aquilo como um maldito festival
de pecadores. Bebiam cerveja e devoravam nachos, acenando com gigantescos dedos
de esponja. Tratava-se, na realidade, de um jogo de futebol americano no Estádio
de Qualcomm. O dia estava soalheiro e quente, um perfeito clássico do Sul da Califórnia.
Vinte e seis graus, temperados por uma brisa deliciosamente fresca. Os Mortais misturavam-se
com seres infernais, num estado de abençoada ignorância, desfrutando simplesmente
de uma tarde de desporto de bancada. Eve achava a cena macabra. Era como ver
lobos esfaimados a apanharem sol junto de cordeiros. Sangue, violência e morte seria
o resultado inevitável de qualquer interacção entre ambas as partes. Para de pensar
neles. Estremeceu por dentro ao ouvir a voz gutural e sensual de Alec Caim,
porém, limitou-se a dirigir-lhe um olhar sentido por cima dos óculos de sol.
Ele passava a vida a dizer-lhe que ignorasse as presas quando não estivessem a caçar.
Como se fadas degeneradas, demónios, magos, lobisomens, dragões e os milhares de
variantes dos ditos fossem fáceis de ignorar. Está uma mulher a amamentar o filho
ao lado de um incubo, murmurou. Meu anjo, o epíteto percorreu-lhe a pele como
uma carícia. A voz de Alec poderia converter meras orientações de estrada em preliminares.
Já te esqueceste que estamos de folga? Ela bufou e desviou o olhar. Com um
pouco mais de um metro e oitenta, Alec fora brindado com um peito robusto e um abdómen
firme, sulcado de músculos, que se adivinhavam mesmo por cima da camisola de
alças branca e justa. Tinha umas pernas longas e musculosas, agora em exposição,
sob um par de Dickies até ao joelho, e uns bíceps tão maravilhosamente definidos
que eram alvo da cobiça de homens e mulheres. De vez em quando... era seu amante.
Como todos os doces, Alec era delicioso e gratificante, mas se saboreado em demasia
provocava-lhe hipoglicemia, deixando-a aturdida e vacilante. Também lhe arruinara
a vida tal como a concebia. A sua ambição, em termos de carreira, era ser designer de interiores e não caçadora de
prémios. Como se fosse assim tão simples, resmungou Eve. Como posso sentir-me em
férias se estou rodeada de trabalho? Além disso, fedem, mesmo quando os ignoro.
Eu só sinto o teu cheiro, ronronou ele, inclinando-se e roçando-lhe o nariz na
face. Hummm... Apavora-me que estejam por toda a parte. Ontem fui ao McDonald's
e a pessoa que me serviu à janela era uma fada. Não consegui sequer comer o meu
Big Mac. Aposto que comeste as batatas fritas. Alec puxou os óculos escuros para
baixo e fitou-a com uma expressão sombria. Há uma diferença entre estar atento e
entrar em paranóia. Sou cautelosa, mas não sou um caso perdido. Farei o melhor que
puder, até descobrir a forma de me libertar desta história da marca. Estou orgulhoso
de ti. Eve suspirou. Ter Alec como mentor era uma péssima ideia e não apenas pelo
facto de ser o equivalente ao teste do sofá em Hollywood, aos olhos da maioria dos
marcados. Pouco importa que o verdadeiro teste do sofá consistisse na troca
de favores sexuais por uma posição desejada. Ninguém jamais desejaria a Marca de
Caim. A hierarquia dos marcados começava nas bases, com os recém-chegados, e culminava
em Alec, o primeiro e o mais duro de todos os marcados. Não havia forma de o superar
nem de trabalhar com ele. Ele era a quinta-essência do solitário, no sentido
mais literal da palavra. E, no entanto, ali estava Eve, uma recém-chegada, há seis
semanas no terreno, firmemente empoleirada no topo, porque ele não confiava em ninguém
para a proteger. Ela era importante para ele. Para os outros marcados, trabalhar
com o principal executor de Deus só podia ser sinónimo de férias, e embora fosse
verdade que os infernais não se metiam com Alec, a menos que desejassem morrer,
isso não facilitava nada as coisas. Para piorar a situação, Alec fora marcado
há tanto tempo que já não se lembrava o que era ser um recém-chegado, em estado
de confusão. Isso era algo que ele esperava simplesmente que ela soubesse
e ficou frustrado quando percebeu que não. Apertou-lhe a mão. O que é feito da rapariga
que apenas desejava esquecer tudo durante algumas horas?» In Sylvia Day, Eve e as Trevas, 2009,
tradução de Leonor Marques, 5 Sentidos, Porto Editora, Porto, 2015, ISBN
978-989-745-017-4.
Cortesia
5Sentidos/PEditora/JDACT