Cortesia
de wikipedia e jdact
Nápoles.
Itália. Agosto de 1966
«Rosanna
Antonia Menici apoiou-se na pia e ficou na ponta dos pés para se olhar no
espelho. Teve de se inclinar um pouquinho para a esquerda, pois uma rachadura
distorcia os traços do seu rosto. Assim, só conseguia ver metade do olho e da
bochecha direitos, e nada do queixo; mesmo na ponta dos pés, ainda não tinha
altura suficiente para enxergá-lo. Rosanna! Saia já do quarto de banho! A
menina suspirou, largou a pia, atravessou o chão de linóleo preto e destrancou
a porta. A maçaneta girou na mesma hora, a porta se abriu e Carlotta passou por
ela com truculência. Que história é essa de trancar a porta, sua criança boba?
O que tem para esconder? Ela abriu as torneiras da banheira e, em seguida, com
gestos experientes, prendeu no alto da cabeça os longos cabelos escuros e
cacheados. Rosanna deu de ombros, encabulada, e desejou que Deus a tivesse
feito tão bonita quanto a irmã mais velha. Mamma tinha-lhe dito que Deus dava um presente a cada
um, e o de Carlotta era a beleza. Observou com humildade a moça despir o roupão
e revelar o corpo perfeito de pele branca e lisinha, os seios fartos e as
pernas compridas. Todos que entravam na cantina elogiavam a linda filha de mamma e papà e comentavam como ela um dia daria um bom
partido para um homem rico. O vapor começou a tomar conta do pequeno banheiro.
Carlotta fechou as torneiras e entrou no banho. Rosanna sentou-se na borda da
banheira. Giulio vai vir hoje à noite?, perguntou à irmã. Vai, sim. Acha que
vai se casar com ele? Carlotta começou a se ensaboar. Não, Rosanna. Não vou me
casar com ele. Mas achei que gostasse dele. Eu gosto dele, mas não... ah, você
é nova demais para entender. Papà
gosta dele. É, eu sei que papà
gosta dele. A família do Giulio é rica. Carlotta arqueou uma das
sobrancelhas e deu um suspiro dramático. Mas ele me cansa. Se papà pudesse, me faria
subir ao altar com ele amanhã mesmo, mas antes quero me divertir um pouco,
aproveitar a vida. Mas eu pensei que casar fosse divertido, insistiu Rosanna. Você
vai poder usar um vestido de noiva bem bonito, vai ganhar vários presentes, vai
ter o seu próprio apartamento e... Um bando de crianças sempre aos berros e uma
cintura bem grossa, concluiu Carlotta, alisando distraidamente com o sabonete
as curvas esbeltas do corpo enquanto falava. Seus olhos escuros relancearam na
direcção da irmã menor. Porque me está encarando? Saia daqui, Rosanna, me deixe
em paz por dez minutos. Mamma
está precisando da sua ajuda lá em baixo. E feche a porta ao sair!
Sem
responder, Rosanna deixou o quarto de banho e desceu a íngreme escada de
madeira. No pé da escada, abriu a porta e entrou na cantina. As paredes haviam
sido caiadas recentemente, e acima do bar nos fundos do salão um retrato de
Nossa Senhora dividia a parede com um poster de Frank Sinatra. As mesas
de madeira escuras brilhavam de tão enceradas e velas haviam sido postas em
cima de cada uma delas, dentro de garrafas de vinho vazias. Ah, você está aí!
Onde foi que se meteu? Chamei-a várias vezes. Venha-me ajudar a pendurar esta
faixa. Em pé sobre uma cadeira, Antonia Menici segurava uma das pontas do
tecido de cor viva. A cadeira balançava perigosamente sob o seu peso
considerável. Sim, mamma.
Rosanna puxou outra cadeira de madeira de baixo de uma das mesas e a arrastou
até ao arco no centro da cantina. Ande logo, menina! Deus lhe deu pernas para
correr, não para se arrastar feito uma lesma! Rosanna segurou a outra ponta da
faixa e subiu na cadeira. Pendure essa argola no prego, instruiu Antonia. Rosanna
obedeceu. Agora venha ajudar sua mamma
a descer da cadeira para ver se ficou recto. Rosanna desceu da cadeira e
correu para ajudar Antonia a fazer o mesmo em segurança. As palmas das mãos de
sua mamma estavam
húmidas, e ela pôde ver gotas de suor na sua testa. Antonia ergueu os olhos
para a faixa, satisfeita. Bene,
bene, comentou. Rosanna leu as palavras em voz alta: feliz
trinta anos de casados, Maria e Massimo! Antonia enlaçou a filha e lhe deu
um raro abraço. Ah, que surpresa vai ser! Eles acham que vêm aqui jantar só com
o seu papà e eu.
Quero ver a cara deles quando virem todos os amigos e parentes. Seu rosto
redondo estava radiante de prazer. Ela soltou a filha, sentou-se na cadeira e
enxugou a testa com um lenço. Então inclinou-se para a frente e acenou para a
menina vir na sua direcção». In Lucinda Riley, A Garota Italiana, 2014, Editora
Arqueiro, 2016, ISBN 978-858-041-565-0.
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