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«(…)
Introduziu delicadamente o dedo por baixo da dobra do envelope e abriu-o. Uma única
folha, dobrada ao meio, caiu-lhe no regaço. Desdobrou a folha. Se as primeiras impressões
deixavam marca, ponderou Emilv, aquela nota pretendia dar uma imagem de luxo. O
suave papel de cor creme era de primeira qualidade, obviamente dispendioso e, se
não estivesse equivocada, exalava um ligeiro aroma a madeira de cedro. Aquilo que
leu no cabeçalho da folha provocou-lhe um nó no estômago. Numa elegante letra gravada
a relevo podia ler-se:
Gabinete
do professor Arno Holmstand. Licenciado em História e Letras. Doutorado em
História. Oficial da Ordem da Império Britânico.
Arno
Holmstrand, o homem assassinado na noite anterior. O grande professor. O defunto
professor. O texto por baixo captou toda a sua atenção. Querida Emily, começava
a nota, escrita com a mesma elegante e a mesma tinta castanha do envelope. Sem dúvida
que a minha morte antecedeu esta carta.
«Querida
Emily,
Sem dúvida
que a minha morte antecedeu esta carta, que escrevo com pleno conhecimento do que
vai acontecer e com ainda maiar certeza de que irás desempenhar um papel importante
no que está para vir. Existe algo que devo deixar a ti para descobrires, Emily.
Uma coisa que coloca todos os meus restantes trabalhos na sombra e os reduz ao pó
da insignificância. Conheço a localização de uma biblioteca. Da Biblioteca. Uma
biblioteca erguida por um rei que te é familiar graças às tuas investigações. A
Biblioteca de Alexandria. Existe, tal como a Sociedade que a acompanha. Nenhuma
delas se perdeu. Está em jogo muito mais do que uma simples curiosidade arqueológica.
Quando receberes esta missiva eu terei sido morto por causa disso. Este conhecimento
não pode perder-se, Emily. A tua ajuda é agora necessária. Verás um número de telefone
impresso no reverso desta carta. Termina de a ler e marca-o. Prometo-te que em
breve tudo ficará mais claro. Tu e eu não nos conhecíamos muito bem, e lamento-o,
mas acredito que te escrevo com sinceridade e premência.
Respeitosamente,
Arno»
Nova
Iorque. 10h35 EST (9h35 CST)
O Secretário
levantou o auscultador antes que tivesse terminado de soar o primeiro toque.
Sim? Está feito, tal como ordenou, informou a voz do outro lado da linha com um
tom glacial e seco. O Guardião está morto? Vi-o com os meus próprios olhos. A noite
passada. A polícia encontrou-o esta manhã. O Secretário reclinou-se na cadeira,
invadido por uma sensação de poder e contentamento. Haviam cumprido um objectivo
nobre e garantiram o futuro do projecto. Ao longo da história, poucos homens tinham
tentado aquilo a que eles agora se propunham. E menos haviam atingido os seus propósitos.
Mas seriam bem-sucedidos e ninguém iria atravessar-se no seu caminho, tal como
demonstrava o avanço conseguido na semana anterior. O Secretário passou os dedos
pelos cabelos grisalhos. Estava à nossa espera, continuou o interlocutor. Isso era
previsível. A morte do Ajudante na semana anterior havia sido um assunto público.
Não era possível disparar sobre um empregado de uma organização de patentes no seu
gabinete em Washington sem que os meios de comunicação social dessem conta disso.
Ainda assim, o objectivo do Conselho não havia sido ocultar a eliminação do sujeito.
Esses crimes acabariam por ser classificados como homicídios pela maioria, excepto
pelas pessoas a quem se destinavam, que os considerariam mensagens. Avisos». In AM
Dean, O Bibliotecário, 2012, Clube do Autor, Lisboa, 2014, ISBN
978-989-724-124-6.
Cortesia de
CdoAutor/JDACT