sábado, 26 de janeiro de 2019

A Criada do conde Henrique. 1147. Assim Nasceu Portugal. Domingos Amaral. «Em Coimbra, Mafalda da Sabóia multiplicava-se em simpatias, mas era evidente que não iria deixá-la aproximar-se do rei. Vou convencê-la, afirmou Chamoa…»

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A Criada do conde Henrique. 1147
Coimbra, Outubro de 1147
«(…) Após esses acontecimentos, servira na Maia, primeiro como criada de Paio Soares e a seguir como ama dos filhos de Chamoa. Nunca casara nem conhecera homem, mas sofrera com a morte dos seus dois senhores, primeiro, o conde Henrique, depois, Paio Soares. Admirava-os, embora temesse que o bom coração de ambos os fizesse perder, como veio a verificar-se. O conde confiara na malévola cunhada, que o envenenara; e Paio Soares apostara no bom senso de Afonso Henriques, sem prever que este, doido de ciúmes, o mataria para poder ficar com Chamoa. Os homens bons morrem cedo de mais, sentenciou dona Justa. Depois de um curto silêncio, Chamoa interrogou-a: e Ramiro? A ama nunca se surpreendera com a atribulada vida do antigo templário. Ramiro sempre fora um mal-amado, Paio Soares desprezava-o e ele sentia-se um bastardo injustiçado, a confusão e a revolta habitavam aquela alma desde a infância. O imperador quer matá-lo, tenho de ir a Lisboa, disse Chamoa. Duvido de que a rainha vos autorize..., murmurou dona Justa.
Em Coimbra, Mafalda da Sabóia multiplicava-se em simpatias, mas era evidente que não iria deixá-la aproximar-se do rei. Vou convencê-la, afirmou Chamoa, antes de fazer um comentário inesperado. Agora entendo o vosso nervosismo em Cárquere, quando fomos ao mosteiro! Dona Justa não se aproximara do depósito dos órfãos, ficara com as crianças na carroça e revelara o seu desconforto a Mem. Trouxe más recordações..., confessou a ama.

Foi a passagem dos exércitos portucalenses por Coimbra, vindos de Lisboa, que possibilitou a ida de Chamoa para junto de nós. O rei prejudicou-nos, dá tudo aos cruzados, justificou-se Gonçalo Sousa. E dorme com uma moura! Enfurecida com a traição daqueles nobres e enciumada com a existência de uma nova rival, Mafalda da Sabóia decidiu partir de imediato para o Sul. Em poucos dias, ficou pronta uma comitiva de mulheres, onde se incluíam a minha Maria Gomes, Teresa Celanova, a minha irmã Elvira Viegas e ainda dona Justa, que tomaria conta dos filhos de Afonso Henriques. Só uma pessoa foi proibida de viajar: Chamoa. A francesa não a queria em Lisboa. Manhosa, a minha cunhada fez de conta que acatava a ordem, mas logo engendrou um estratagema. Iria na carroça das criadas, na rectaguarda da comitiva, onde Mafalda da Sabóia jamais a toparia!

Lisboa, Outubro de 1147
Meus queridos filhos e netos, volto agora ao ponto onde suspendi a minha narrativa lisboeta. Precisamente na mesma altura em que Peres Cativo me deixou a guardar os reféns, dona Mafalda da Sabóia, primeira rainha de Portugal (???), apresentou-se na tenda de Afonso Henriques. Com o filho Henrique ao colo, a francesa entrou, orgulhosa com a sua demonstração de solidariedade num momento tao difícil. Je suis ici por toi, mon roi!, declarou. Este momento agradável, presenciado por Teresa Celanova, Elvira Viegas, Maria Gomes e dona Justa, foi bruscamente interrompido pela chegada de Peres Cativo, que informou o rei da instável situação que se vivia no acampamento dos flamengos. Fátima morreu e Zaida ofereceu-se para a substituir, confirmou o mordomo-mor. Mas Glanville exige a Lança de Cristo e quer torturar o Ramiro ou a Raimunda! Irei até lá!, aflrmou o rei. Não podem prender a... De repente, Chamoa surgiu à entrada da tenda e ele calou-se. Mas, percebendo que tinha sido ludibriada, Mafalda da Sabóia urrou: la vache est la?! Como se o próprio Diabo estivesse ali, num acesso de fúria desatou aos gritos e foi necessária a força de gigante de Afonso Henriques para a impedir de carregar sobre Chamoa». In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Oficina do Livro, Casa das Letras, 2017, ISBN 978-989-741-713-9.
                    
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