Dezembro de 1944. Sul da Alemanha
«(…) O segundo camião tinha parado
atrás do deles. O homem no lugar do passageiro, que usava um casaco de cabedal com
uma gola alta e parecia estar no comando, inclinou-se pela janela, disse qualquer
coisa a um guarda e acenou com a mão. Muito bem, gritou o guarda. Venham cá! Foram
conduzidos para a traseira do segundo camião. A lona que a cobria foi levantada,
revelando um grande caixote de madeira. Descarreguem-no! Depressa!
Despachem-se!
Yitzhak e o comunista, um homem esquelético
de meia-idade com um triângulo vermelho cosido à perna das calças, Yitzhak usava
dois triângulos amarelos sobrepostos para mostrar que era judeu, treparam para o
camião e agarraram os lados do caixote. Era pesado, tendo eles de se esforçar
para conseguirem arrastá-lo pelo chão metálico até à extremidade da caixa de carga.
Os outros seguraram-no e depois, lentamente, acabaram por depositâ-1o na
estrada gelada.
Não, não, não!, gritou o homem do casaco, debruçado
na janela do camião. Eles que o carreguem… para ali! Apontou para lá do
edifício arruinado, onde uma estreita avenida de neve virgem subia até se perder
no meio das árvores, uma espécie de estrada ou caminho, presumivelmente. E certifiquem-se
de que eles o transportam com cuidado! Os prisioneiros olharam uns para os outros,
transmitindo silenciosamente o seu medo e exaustão, mas depois dobraram-se e içaram
o caixote muito devagar, um em cada canto e dois no meio, arquejando com o esforço.
Isto vai ser mau, murmurou o comunista. Vai ser muito mau...
Avançaram para a floresta com os
pés a afundarem-se na neve até à barriga das pernas. Os guardas e o homem do casaco
de cabedal iam atrás deles, mas Yitzhak não se atrevia a olhar em volta, com medo
de perder o equilíbrio. À sua frente, o rabi tossia descontroladamente. Deixe-me
aguentar um pouco do peso, sussurrou Yitzhak. Sou forte e para mim é mais
fácil. És um mentiroso, Yitzhak..., grasnou o velho. E, ainda por cima mentes muito
mal.
Calem-se!, ordenou um dos guardas
atrás deles. Nada de conversas. Continuaram a avançar com dificuldade, gemendo
de esgotamento e com a pele queimada pelo frio. O caminho, que inicialmente
acompanhava um acidente de terreno numa subida relativamente suave, era agora muito
mais escarpado e serpenteava continuamente por entre as árvores, enquanto a neve
se tornava mais profunda. O homossexual escorregou e caiu numa zona particularmente
íngrime, o que fez com que o caixote se inclinasse para a frente e embatesse num
tronco de árvore. O canto superior direito do caixote estalou e estilhaçou-se.
Idiota!, gritou o homem do casaco de cabedal. Levantem-no!
Os guardas avançaram, puseram o
homem de pé e forçaram-no a carregar novamente o caixote sobre os ombros. A
minha bota..., implorou ele, apontando para a bota esquerda que lhe saltara do pé
e estava agora meio enterrada na neve.
Os guardas
riram-se, pontapearam a bota para longe e ordenaram-lhes que continuassem a andar.
Que Deus o ajude, sussurrou o rabi. Que Deus ajude o pobre rapaz. Continuaram a
subir, cada vez mais para cima, a ofegar e a gemer, com cada passo a sugar-lhes
um pouco mais da vida que lhes restava, até que, no momento em que Yitzhak estava
certo de que ira cair e morrer, o trilho se tornou repentinamente plano e emergiu
do meio das árvores para o que parecia ser uma pedreira abandonada, profundamente
cortada no flanco da serra. Nesse mesmo instante, as nuvens abriram-se e revelaram
uma enorme montanha a pairar sobre eles; ao longe, à direita, um pequeno
edifício empoleirado na beira de uma falésia. A visão durou apenas alguns segundos
e perdeu-se novamente por detrás de uma cortina de nevoeiro, desaparecendo tão
rapidamente, que Yitzhak pensou se não a teria apenas imaginado por causa da
exaustão e do desespero». In Paul
Sussman, O Último Segredo do Templo, 2005, Bertrand Editora, 2016, ISBN
978-972-253-056-9.
Cortesia de BEditora/JDACT