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A
Paz de Zamora. Coimbra 1143
Rio Arade. Agosto de 1143
«(…) E que novas tendes de
África?, perguntou Afonso Henriques. O sufi que reinava na taifa de
Mértola confirmou que almorávidas e almóadas bulhavam em permanência, prevendo que
os últimos vencessem a contenda. Já Ismar, apesar do golpe do imperador,
mantinha-se como o mais poderoso rei muçulmano da Andaluzia e patrocinava uma
conspiração contra Ibn Qasi. Temos então um inimigo comum, concluiu o príncipe de
Portugal. O marido de Zaida incomodou-se com aquelas palavras e só depois de
perceber que os criados não as haviam ouvido é que murmurou: alianças com cristãos
são mal vistas pelos muçulmanos... Em voz intencionalmente baixa, revelou
desejo de atacar Beja e Évora, expandindo a sua taifa para norte. Apoderando-se
dessas ciclades, talava a estrada de Badajoz para Lisboa, impedindo Ismar de
defender esta última povoação. Todo o além-Tejo passaria então a ser dominado
por ele, que não se julgava, porém, capaz de conquistas acima do grande rio. Nos
territórios cristãos..., murmurou Afonso Henriques. De repente, dei-me conta de
que o inteligente esposo de Zaida nos fizera uma proposta concreta. O além-Tejo
ficaria para ele e as cidades acima do Tejo, como Santarém e Lisboa, seriam
para nós. Contudo, Afonso Henriques recordou que quaisquer ataques futuros a
Santarém e Lisboa teriam de ser bem preparados, pois não desejava um segundo
fiasco. Precisamos de dois anos, pelo menos, avisou.
Ibn Qasi murmurou que, no
entretanto, a sua vida não seria fácil, pois Ismar aproveitaria para o tentar
derrubar. Como?, perguntei. O sufi desconfiava do alcaide que deixara em
Mértola, chamado Ibn Wasir, o que levou uma desagradada Zaida a exclamar,
mexendo-se no seu almofadão: é víbora, Ismar comprou-o! Ibn Qasi adiantou que
na capital da sua taifa muita gente não defendia a leitura do Islão que ele
professava, o que diminuía o seu apoio. Ismar e Ibn Wasir usavam esse argumento
contra ele, tinha de ser paciente. Sempre fora assim no passado turbulento da
Andaluzia, as guerras entre os da mesma fé podiam ser mais destrutivas do que
as travadas entre cristãos e muçulmanos. Ibn Qasi recordou vários episódios do
passado, mas, como a sua narrativa se prolongou excessivamente, Zaida e Chamoa
decidiram ir passear pela praia, entediadas com tantas memórias bélicas.
Só quando Mem me descreveu o
acontecido é que compreendi as suas razões. O almocreve comera fora da tenda e decidira
caminhar pelas redondezas, sem destino aparente, pois tinha as ideias
baralhadas. Zaida estava casada com Ibn Qasi, mas mesmo assim correra a
abraçá-lo fortemente, deixando-o muito agitado.
Peitinho amassado, menino
esperançado...
Mem apreciava a companhia
generosa das três irmãs moçárabes, Ália, Élia e Ília, com quem convivia em
Coimbra, mas não as amava como a Zaida. Hoje tivera a absoluta certeza disso. O
seu coração pulara, agitado, já cheio de infundadas expectativas, quando a
ouvira dizer Mem querido.
Ouvida a senha, mexe-se a
entranha.
Já em cima das dunas, estacou,
surpreendido. A duzentos passos, cinco homens, ajoelhados, observavam a praia. Pareciam
mendigos, pois usavam roupas pobres, mas o almocreve viu espadas a brilharem nas
cinturas deles. Avançou, intrigado, só que os estranhos pressentiram-no,
desaparecendo pelas dunas». In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal,
Oficina do Livro, Casa das Letras, 2017, ISBN 978-989-741-713-9.
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