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Hines digeriu a informação, ou melhor, a falta dela. Após cada atentado terrorista,
havia sempre uma mancheia de grupos que declarava a autoria do mesmo em busca
da publicidade que proporcionavam os atentados contra a Grande Besta do
Ocidente. Também existiam excepções, claro, e eram bastante frequentes para que
a ausência de reivindicação, como no caso presente, não fizesse soar nenhum
alarme, mas não deixava de ser um silêncio interessante. Já houve alguma reacção
oficial por parte do Governo britânico? Limitaram-se a expressar a sua surpresa
e o horror e a assegurar que estão a trabalhar com celeridade para levarem os
culpados de tão horrendo crime perante a justiça, et ceterat et cetera.
Mitch Forrester agitou os dedos num trejeito que indicava a total ausência de
conteúdo daquelas respostas padronizadas. Trabalhava no gabinete de Hines há
apenas seis meses, mas fazia aqueles comentários com um ar de quem já tinha
escutado tudo aquilo antes. Hines não foi capaz de conter-se e perguntou-lhe:
quantos anos tem, Mitch? A pergunta apanhou o assistente desprevenido. Desculpe?
Estou a perguntar-lhe a idade. Quantos anos tem?
O
jovem Forrester mirou-o de um modo estranho, com uma expressão que combinava o
seu desdém habitual e a mais completa perplexidade. Se estivessem sozinhos,
teria retorquido manifestando a aversão que sentia naquele momento, contudo,
estava demasiado consciente da presença de outro homem no gabinete de Hines, tipo
sentado silenciosamente a um canto. E não desejava que essa pessoa fosse
testemunha da sua impertinência. Vinte e seis, respondeu por fim.
Vinte
e seis, repetiu Hines, e deixou escapar um suspiro, deprimido com aquele número
tão pequeno. Teria sido ele tão cabeça-dura nessa idade? Passaram-se mais de
vinte e seis anos desde essa altura. Ele sempre fora ambicioso, porém, não
acreditava que se tivesse comportado com a impetuosidade do rapaz que se
encontrava à sua frente. Não tenho a certeza de que isso seja relevante para...
Não é, não é, interrompeu Hines, agitando a mão. Mais alguma coisa? Por
enquanto não, redarguiu Forrester secamente. Informá-lo-ei assim que tivermos
mais novidades... Senhor. Deixou que a pausa antes da última palavra
evidenciasse o seu descontentamento pelo modo como fora tratado. Ainda assim, com
todo o egotismo da juventude, ficou de pé à espera de reconhecimento pelo seu trabalho.
Hines limitou-se a olhar para o televisor. O jovem assistente girou nos calcanhares
e saiu quando compreendeu, por fim, que não ia receber nada em troca. Hines esperou
meio minuto em silêncio antes de se voltar para o homem sentado no canto mais afastado
do gabinete. Embora há muito se tivesse resignado ao serviço que aqueles homens
prestavam à organização, ainda sentia uma pontada de nervosismo de cada vez que
ficava sozinho com um deles. O seu papel na organização sempre havia sido diplomático,
profissional. Nunca fora um desses tipos que faziam o sempre necessário trabalho
sujo. Era uma dimensão vil da causa, mas essencial. Embora a maioria das pessoas
o considerasse um indivíduo com muita influência, Jefferson Hines sabia que o
homem sentado a escassos metros dele representava um poder maior do que alguma vez
seria capaz de alcançar.
Acredita que esteja relacionado?,
indagou por fim, apontando para a pasta vermelha na sua secretária e depois
para o televisor sem som. Relacionado com a missão. Claro. Ambos sabiam que não
deviam falar do plano de outro modo que não fosse a missão. Naquela cidade, e naqueles
gabinetes, todas as paredes tinham ouvidos. Mas não deixe que isso o desvie. Mantemos
a nossa rota. Hines não estava satisfeito. Nunca discutimos isto. Marlake, Gifford...,
e os restantes. Esse era o plano. Que diabo se passa em Inglaterra? O seu interlocutor
levantou-se quando Hines começou a falar e lançou-lhe um olhar fulminante cujo
significado não deixava margem para dúvidas: Cala-te. Nunca deviam mencionar os
nomes.
Hines
compreendeu o olhar e a mensagem que este encerrava. Tamborilou com os dedos
sobre a mesa, contrariado e nervoso. Diga-me que já esperávamos respostas deste
tipo, pediu. Diga-me que isto não constitui uma surpresa. Se o seu interlocutor
sentia algum tipo de hesitação antes de responder, não o demonstrou. Exibia o ar
de um homem que desejava emanar confiança, de alguém que pretendia que o seu ouvinte
se mantivesse firme e inabalável». In AM Dean, O Bibliotecário, 2012, Clube do
Autor, Lisboa, 2014, ISBN 978-989-724-124-6.
Cortesia
de CdoAutor/JDACT