«(…) De Lisboa partiu nova
armada, agora comandada pelo espanhol marquês de Santa Cruz. A 22 desse mês,
quando em S. Miguel se preparavam para aclamar dom António, a esquadra surgiu
em Vila Franca do Campo. No dia 23 travaram-se os primeiros combates. Novas
escaramuças a 24 e 25. Na manhã do dia 26 começou a batalha. Dezoito navios
franceses fugiram para a ilha do Faial. A vitória coube ao marquês de Santa
Cruz. Filipe Strozzi veio a morrer das feridas no galeão português São
Martinho. O conde de Vimioso, principal conselheiro de dom António, atingido
por uma bala e uma estocada, morreu no dia seguinte. O marquês de Santa Cruz
mandou degolar os senhores e fidalgos e enforcar os soldados e os marinheiros.
O sangue passaria de uma grande pipa.
Desterrar a melancolia
Na agonia, por instâncias de um
frade descalço, o conde de Vimioso fez o ponto da situação política e militar.
A armada de Filipe Strozzi vinha recuperar a ilha de São Miguel e estava à espera
da armada da Índia e da frota da Nova Espanha. E que dom António mantinha
relações com a maior parte de Portugal e prometiam-lhe que se viesse com gente
e uma armada se levantariam por ele. O rei Henrique III e a Rainha-Mãe de
França tinham-se comprometido a armar 30 urcas grossas de Flandres com 4000
soldados alemães e ainda 30 urcas das ilhas, bem artilhadas, com outros 4000 soldados
de França que com os 6000 desta armada passariam de 14 000 homens de guerra. De
particulares da Inglaterra esperavam mais 40 naus. A armada viria a Portugal
com muitos arcabuzes e peças para entregar aos portugueses. Lagos seria um dos
pontos do desembarque.
Manteriam os franceses os
desígnios? Sim. Como é que dom António estava de dinheiros? Tinha jóias de
muito valor [da Coroa portuguesa] e dinheiros na Terceira. Mobilizava uns 8000 portugueses
com armas e 1200 franceses e ingleses. Nas últimas palavra registadas disse:
Filipe queria desterrar de Portugal toda a melancolia. A 14 de Agosto chegou à
cidade do Porto a notícia de que o marquês tinha vencido a armada de dom
António. A Câmara de Lisboa ordenou danças e folias e à noite houve luminárias,
foguetes e artilharia. Mas, de madrugada, alguém afixou nas portas do Paço um
letreiro com letras de ouro: a vitória do marquês era mentira.
Filipe I alargou os festejos da
vitória a todo o reino, no eclesiástico com procissões, no secular com festas.
Em Lisboa, no dia da procissão, ao amanhecer, encontraram a figura dum homem que
tinha nas mãos uns versos: o senhor dom António é que venceu e há de vir. Com
estas novas levantaram-se muitos portugueses. Uns iam buscá-lo, outros esperavam
por ele como pela salvação. Mas a 15 de Setembro chegou a armada vitoriosa do marquês
de Santa Cruz. Trazia consigo duas naus da Índia. Correram os touros. A 20
desse mês fizeram uma procissão de São João para celebrar a vitória.
Dom António e os Menores
António ficara na ilha Terceira
com Manuel Silva e Cipriano Figueiredo. Quando alguém se aproximava dele, dom
António perguntava: que homem é este? Se era de confiança, mostrava rosto
alegre sem consentir que o abraçassem pelos pés, mas tomava-os pelas mãos,
botava-lhes o braço pelo pescoço. Se Cipriano dizia é um homem rico, não o
conheço, ordenava que passasse por trás. Que escravos são estes? São cativos
deste homem, conheço-os muito bem, servem Vossa Majestade. Então abraçava-os
fazendo-lhes mais honra do que ao senhor. Muitos ficavam espantados. Recebia os
camponeses tal como estavam com as suas foices. Os menores eram muito leais a
dom António, mas os privilegiados conspiravam. Quando o rei Prior viajava pela ilha, levava por companhia gente
confiável. O fidalgo Duarte Castro, que fora general de cavalaria na batalha de
Alcântara, e depois de se vender a Filipe o viera acompanhar no exílio, foi
acusado do crime de alta traição. Testemunharam que em todo o tempo esperava o
momento de o prender ou matar. Também subornara alguns capitães da armada de
Filipe Strozzi. Degolaram-no.
Sabido em Lisboa que em França se
preparava uma nova armada para apoiar dom António, muitos portugueses iam para
ele, escondidos. As prisões continuavam e, por qualquer palavra favorável ao Prior,
estalavam os açoites e sofriam-se os degredos. Esta política indignava o povo
que desejava a tornada do rei dom António
como a salvação e tomava alento com o farol da ilha Terceira. O monarca mandou
comprar Manuel Silva. Mantinha-lhe o título de marquês,30 000 cruzados e o
governo da ilha. Um dos emissários passou-se para dom António». In
António Borges Coelho, Os Filipes, Editorial Caminho, 2015, ISBN
978-972-212-740-0.
Cortesia de Caminho/JDACT