domingo, 2 de dezembro de 2012

O Maior Tufão de Macau. Pedro Fragoso Matos. «A canhoneira Camões é um navio de ‘molave’, madeira das Filipinas, forrado de teca e de pinho americano, e cavername ligado com pródigos de ferro em diagonal e foi mandada construir, bem como a D. Carlos, em 1866»

canhoeira Camões
jdact

Com a amizade da LC e a memória do amigo APCM

(Continuação)
«No sentido de enriquecer o presente estudo, permito-me apresentar, seguidamente, alguns excertos desse belo documento, por constituir um extraordinário e empolgante relato duma das mais imponentes manifestações das forças naturais, desenvolvidas pela passagem daquele devastador tufão por Macau, terra portuguesa(?), longínquo marco milenário, atestando o valor da gente lusitana (?), sendo de evidenciar que é tanto mais curioso, quanto o seu autor confessa, muito simplesmente, que eu nunca vi a China. Assim, o almirante Braz Oliveira escreveu:
  • (...) O aspecto que oferecia o porto de Macau ao pôr do Sol no dia 22 de Setembro era deveras majestoso. Às 4 horas (p. m.) o Pontão da Polícia, a Lorcha Amazona, deu o tiro de tufão...Para os lados da foz do Rio do Oeste a atmosfera tinha esbraseado, como se a boca de uma enorme fornalha escancarasse as goelas, golfando torrentes de luz de metal fendente, e farrapos de nuvens soltas, cor de sangue, passavam rápidas sobre os picos das ilhas de Lapa e de S. João, sumindo se no negrume, que alastrava para o Sul. O vento NW soprava rijo, a vaga pequena, mas revolta, iluminada pela luz extraordinária, parecia um mar de fogo. Em porfiada regata, dezenas de embarcações chinas, com as velas a meio mastro, bordejavam para agarrar o ancoradouro da margem norte do rio, usual refúgio contra as iras da porcela (...)
    Ia no porto uma faina insana. Os navios preparavam-se para combater o vento.
Reforçavam as amarrações, arriavam as vergas e mastaréus, pregavam toldos sobre o xadrez das escotilhas, atracavam fortemente a artilharia, punham ferros à roça prontos a largar, fumegavam as chaminés dos barcos a vapor, aprontando as máquinas para a luta, dispunha-se a gente a postos de manobra, enquanto os comandantes, olhando a coluna barométrica, sentem mais esmagador o peso das responsabilidades do cargo que exerciam, aguardando as variadíssimas fases da peleja (...)
(...) A Estação Naval da China compunha-se de três canhoneiras:
  • Tejo, o comandante da Canhoneira, o primeiro-tenente Fernando Augusto Cabral exercia e comando da Estação Naval da China; 
  • Camões; 
  • Príncipe D. Carlos, e de algumas lanchas da Polícia. A canhoneira Camões, a Escuna Príncipe D. Carlos e a Lancha a Vapor Andorinha, pertencentes ao Governo da Província(?) de Macau e de Timor, no dia 1 de Setembro de 1874, tinham sido integradas na Estação Naval da China, no sentido de se activar a repressão contra a pirataria (...)
(...) A canhoneira Camões é um navio de molave, madeira das Filipinas, forrado de teca e de pinho americano, e cavername ligado com pródigos de ferro em diagonal e foi mandada construir, bem como a D. Carlos, em 1866, pelo Governador Coelho Amaral (...)
(...) A Camões está amarrada a 300 m no prolongamento da ponte de vapores da carreira de Hong-Kong.
A 100 m a NE avulta o pontão Amazona e ao mesmo rumo, atracado à ponte, um dos vapores de Cantão, o White Cloud, e a 150 m a SSE o vapor Poyang, na sua bóia. A NE, junto à margem E do rio vêem-se centenas de lorchas amarradas e o brigue Concórdia, próximo e ao S da ilha Verde. A W, encostado à ilha da Lapa, demora a barca Santa Sancha e a meia milha ao S da Camões a Tejo e a outra canhoneira nacional.
Às 9.30 (p. m.) refrescaram as rajadas, a escuna portava rijo pelos ferros, a máquina começou a funcionar avante, devagar, parando nos recalmões para não seguir em demasia. À meia-noite a máquina trabalhava avante, a toda a força e o navio conseguia por vezes aprumar a amarra e resistia optimamente. O vento rugia com incrível fúria pelo N; o escarcéu galgava as baixas amuradas.
A escuridão era completa, apenas a espaço rasgava o negrume o fraco lampejo das luzes da lorcha e do Poyang

Os amigos António Viseu e Olavo Rasquinho

In Pedro Fragoso Matos, O Maior Tufão de Macau, Separata dos Anais do Clube Militar Naval, Lisboa, 1985.

continua
Cortesia de António Pedro (†)
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