canhoeira Camões
jdact
Com a amizade da LC e
a memória do amigo APCM
(Continuação)
«No sentido de enriquecer o presente estudo, permito-me apresentar,
seguidamente, alguns excertos desse belo documento, por constituir um extraordinário
e empolgante relato duma das mais imponentes manifestações das forças naturais,
desenvolvidas pela passagem daquele devastador tufão por Macau, terra
portuguesa(?), longínquo marco
milenário, atestando o valor da gente lusitana (?), sendo de evidenciar que
é tanto mais curioso, quanto o seu autor confessa, muito simplesmente, que eu nunca vi a China. Assim, o almirante Braz
Oliveira escreveu:
- (...) O aspecto que oferecia o porto de Macau ao pôr do Sol
no dia 22 de Setembro era deveras majestoso. Às 4 horas (p. m.) o Pontão da Polícia, a Lorcha Amazona, deu o tiro
de tufão...Para os lados da foz do Rio do Oeste a atmosfera tinha esbraseado,
como se a boca de uma enorme fornalha escancarasse as goelas, golfando
torrentes de luz de metal fendente, e farrapos de nuvens soltas, cor de sangue,
passavam rápidas sobre os picos das ilhas de Lapa e de S. João, sumindo se no negrume,
que alastrava para o Sul. O vento NW soprava rijo, a vaga pequena, mas revolta,
iluminada pela luz extraordinária, parecia um mar de fogo. Em porfiada regata,
dezenas de embarcações chinas, com as velas a meio mastro, bordejavam para agarrar
o ancoradouro da margem norte do rio, usual refúgio contra as iras da porcela
(...)
Ia no porto uma faina insana. Os navios preparavam-se para combater o vento.
Reforçavam as amarrações, arriavam as vergas e mastaréus,
pregavam toldos sobre o xadrez das escotilhas, atracavam fortemente a artilharia,
punham ferros à roça prontos a largar, fumegavam as chaminés dos barcos a
vapor, aprontando as máquinas para a luta, dispunha-se a gente a postos de
manobra, enquanto os comandantes, olhando a coluna barométrica, sentem mais
esmagador o peso das responsabilidades do cargo que exerciam, aguardando as variadíssimas
fases da peleja (...)
(...) A Estação Naval da China compunha-se de três canhoneiras:
- Tejo, o comandante da Canhoneira, o primeiro-tenente Fernando Augusto Cabral exercia e comando da Estação Naval da China;
- Camões;
- Príncipe D. Carlos, e de algumas lanchas da Polícia. A canhoneira Camões, a Escuna Príncipe D. Carlos e a Lancha a Vapor Andorinha, pertencentes ao Governo da Província(?) de Macau e de Timor, no dia 1 de Setembro de 1874, tinham sido integradas na Estação Naval da China, no sentido de se activar a repressão contra a pirataria (...)
(...) A canhoneira Camões é um navio de molave, madeira das Filipinas, forrado
de teca e de pinho americano, e cavername ligado com pródigos de ferro em diagonal
e foi mandada construir, bem como a D. Carlos, em 1866, pelo Governador
Coelho Amaral (...)
(...) A Camões está amarrada a 300 m no
prolongamento da ponte de vapores da carreira de Hong-Kong.
A 100 m a NE avulta o pontão Amazona e ao mesmo rumo,
atracado à ponte, um dos vapores de Cantão, o White Cloud, e a 150 m a
SSE o vapor Poyang, na sua bóia. A NE, junto à margem E do rio vêem-se
centenas de lorchas amarradas e o brigue Concórdia, próximo e ao S da ilha
Verde. A W, encostado à ilha da Lapa, demora a barca Santa Sancha e a meia
milha ao S da Camões a Tejo e a outra canhoneira nacional.
Às 9.30 (p. m.) refrescaram
as rajadas, a escuna portava rijo pelos ferros, a máquina começou a funcionar
avante, devagar, parando nos recalmões para não seguir em demasia. À meia-noite
a máquina trabalhava avante, a toda a força e o navio conseguia por vezes
aprumar a amarra e resistia optimamente. O vento rugia com incrível fúria pelo
N; o escarcéu galgava as baixas amuradas.
A escuridão era completa, apenas a espaço rasgava o negrume
o fraco lampejo das luzes da lorcha e do Poyang.
Os amigos António Viseu e Olavo Rasquinho
In Pedro Fragoso Matos, O Maior Tufão de Macau, Separata dos Anais do
Clube Militar Naval, Lisboa, 1985.
continua
Cortesia de António Pedro (†)
JDACT