segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Preliminares da 1ª Invasão Francesa em Portugal. Baptista Barreiros. «Enfim, o príncipe se declarava pronto a cooperar, pelos seus bons ofícios, na tranquilidade geral da Europa, para glória do imperador, “mais par les rnoyens qui me seraient possible”. Os pontos de vista eram completamente divergentes e, portanto, inconciliáveis»


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A neutralidade portuguesa
«A intenção do imperador era evidente! A França tinha em terra, indisputada, a categoria de ‘primeira potência’ militar da Europa, mas não era senhora duma esquadra suficientemente numerosa e forte para aniquilar a inglesa. Além disto, não podia suportar a ideia, em que, aliás, não errava demasiadamente, de que os portos portugueses pudessem ser utilizados pelos navios britânicos. A junção das três esquadras, francesa, espanhola e portuguesa, com os nossos portos fechados, modificaria muito sensivelmente o panorama da guerra. Por isso, quando Junot saiu de Madrid para Lisboa, já deixara estabelecido que o príncipe da Paz o acordo sobre a sorte futura de Portugal, no caso de este não aceitar a combinação sugerida na carta do imperador para o príncipe Regente.
Junot chegou a Lisboa a12 de Abril (1805). Como o príncipe, estivesse ausente da capital, Junot só veio a entregar-lhe a carta em 6 de Maio; e logo o príncipe Regente redigiu, com toda a dignidade, a resposta, que tem a data de 7 do mesmo mês. Dizia o Regente João que depois de haver estipulado com o imperador o Tratado de Neutralidade, o seu maior cuidado havia sido não só cumprir-lhe as estipulações que diziam ,respeito à França, senão também seguir os princípios da mais rigorosa neutralidade perante as potências beligerantes nos portos de seus Estados, e o embaixador francês não poderia deixar de assim o verificar.
  • Je manquerai à tous les devoirs que le Ciel impose à un Souverain envers ses sujets (continuava o príncipe) si après les avoir forcés à contribuer pour le mantient de la Neutralité, je les exposais à une guerre, dont les resultats ne pourraient être que funestes.
A situação territorial da Monarquia é também argumento de recusa:
  • Votre Magesté, sait que Ìa Monarchie Portugaise est composée d'États parsemés dans les quatre parties du Globe qui resteraient tout à fait exposés par une guerre avec l’Angletrre. Il suffit que les Anglais interrompent le Commerce du Brézil avec Portugal, et qu’ils bloquent le port de Lisbonne pour qu’il n’y ait plus ancune ressource de commerce, et en três peu de tems aucun moyen de subsistance dans cette capitale…; la famine serait un sur garant de la victoire de l’ennemi…
Enfim, o príncipe se declarava pronto a cooperar, pelos seus bons ofícios, na tranquilidade geral da Europa, para glória do imperador, mais par les rnoyens qui me seraient possibles. Como se vê, os pontos de vista eram completamente divergentes e, portanto, inconciliáveis.
Conforme se combinara em Madrid, entre Junot e Godoy, o convite da carta do imperador foi reforçado por outro de Carlos IV, concebido em idênticos termos. A carta do monarca espanhol para o príncipe Regente é datada de 20 de Março. Acusa a Inglaterra, de ter violado, una Neutralidad cimentada sobre las bases que me fueron propostas por ella misma e de aprezar e incendiar mis naves quando navegaban en la confianza de la Paz...; e, mais adiante, o convite, formulado em termos idênticos aos da França:
  • A esta razon se unen otras rasones para estimuaar a V. A., de acuerdo con la Francia, a que una sus fuerzas con las nuestras para reducir a la Inglaterra al deseado termino de una Paz decorosa.
Mas logo a seguir, pondo o dedo na ferida, acrescenta:
  • tales son (as razões aludidas) las de que esta Potencia (Inglaterra) usando por el derecho de la Neutralidad de los Puertos de V. A., refresca en ellos sus cascos y aprovecha de las utilidades que le oferecen para ostilizar nuestros buques.
S. M. Católica obteve do príncipe Regente uma resposta muito afável, mas que, na essência e largueza de justificações da atitude portuguesa, não desdizia da que fora dada a Napoleão. Junot esforçou-se por demonstrar a Araújo que a melhor via a seguir pela Corte de Lisboa era alinhar com o bloco franco-espanhol. Conferências houve antes do dia 6 de Maio, e já, em ofício de 3, dirigido ao mesmo Araújo, lhe dizia que este, certamente, já deveria ter reflectido sobre o que a Portugal convinha fazer em face da situação militar europeia; que não deixaria o ministro de considerar que Portugal, pela sua posição geográfica, devia naturalmente ficar aliado de Espanha e França; a conduta atroz da Inglaterra com Espanha deveria ter provado ao governo português que, como qualquer outro país neutro, não poderia confiar em que a Grã-Bretanha lhe respeitasse a neutralidade senão enquanto isso conviesse a seus interesses». In José Baptista Barreiros, Preliminares da 1ª Invasão Francesa em Portugal, Separata da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, nº 21, 1959.

Cortesia de S. H. I. de Portugal/JDACT