A Herança d’O Bolonhês
«(…) Por esta altura estaria também já formado o núcleo central dos
seus vassalos e servidores, boa parte dos quais escolhidos certamente por Afonso
III. Desse grupo destacavam-se Paio Soares e Vasco Peres Farinha, ambos
mordomos-mores; Gomes Pais Silva, alferes, sinal por si só evidente de uma
grande capacidade de mobilização de combatentes por parte do infante; João
Fernandes, chanceler; Domingos Fernandes, tesoureiro; Gomes Pais Bugalho,
alcaide de Marvão; Aires Cabral, alcaide de Portalegre; Pedro Esteves Tavares;
Martim Peres Podentes; Rui Gil Babilão e Martim Rodrigues Babilão; Rui Pais
Bugalho; Paio Soares; Afonso Mendes; Estêvão Gonçalves Safanhão; Gomes Lourenço
Cerveira e Estêvão Peres Vinagre, Martim Afonso, João Rodrigues Briteiros e
Estêvão Rodrigues Molnes. Ligados ao infante, embora não seja conhecida
qualquer relação de vassalagem, estariam também figuras como os irmãos Fernão e
Sentil Soares Barbudo. Eram estes homens, acima de todos os outros, que
conferiam ao infante Afonso uma
enorme capacidade militar, não só porque eram eles que asseguravam a defesa das
fortalezas do seu senhorio, mas também porque eram esses guerreiros que, com as
suas mesnadas, constituíam, em caso de mobilização, a espinha dorsal da hoste
do infante. Não admira, pois, que este confiasse plenamente no seu poder
militar, já que uma tão vasta capacidade de recrutamento, associada à posse de
um conjunto significativo de estruturas fixas de defesa, lhe possibilitavam
mesmo, caso assim o desejasse, desafiar a autoridade monárquica.
Porém, chegado ao trono em 1279,
o rei Dinis I nada fez no sentido de limitar ou travar o poder do irmão. Pelo
contrário, o rei acabará mesmo por contribuir substancialmente para o seu
engrandecimento ao nomeá-lo tenente de diversas terras: Lamego (1279-1287),
Guarda (1280-1293); o que Afonso
certamente encarou com enorme satisfação porquanto isso lhe aumentava ainda mais
o papel político-militar preponderante que detinha na faixa raiana. Parece,
portanto, que nos anos imediatamente seguintes à morte de Afonso III, as
relações entre os dois irmãos seriam, no mínimo, cordiais. Pelo menos na
aparência. E assim terão continuado até 1281.
Desencontro de irmãos
É comum atribuir-se a revolta do infante Afonso, em 1281, a uma
eventual pretensão ao trono que, segundo o próprio infante, se fundamentava na
ilegitimidade de Dinis, nascido
durante o período em que Afonso III estaria ainda em situação de bigamia, em virtude
de se encontrar casado com a condessa de Boulogne, D. Matilde, e com D.
Beatriz, mãe de Dinis e de Afonso. Porém, como demonstrou Fernando
Félix Lopes, tendo a dispensa papal do impedimento do casamento surgido
apenas em Junho e Julho de 1263,
ou seja, depois do nascimento tanto de Dinis quanto de Afonso,
a situação de ambos era precisamente a mesma, o que afasta a possibilidade
de o infante pretender, com base nesses argumentos, ocupar o lugar que
pertencia ao irmão mais velho. Como sintetiza este mesmo autor, as pretensões do infante Afonso à Coroa
de Portugal são com certeza enfeites emprestados pela lenda às suas arrastadas
discórdias com o irmão Dinis.
Assim, é muito natural que as atitudes de Afonso relativamente ao rei mais não fossem que o resultado de um
desejo de conferir ao seu senhorio uma maior (total?) autonomia face ao
reino e ao rei. A edificação de estruturas fixas de defesa sem consentimento da
Coroa ou a condução de uma autêntica política externa paralela e, quase sempre,
contrária à de Dinis parecem-nos
apontar precisamente nesse sentido. Com efeito, por altura de 1280-1281,
o infante deu início a uma campanha de obras nas estruturas de defesa da sua
povoação de Castelo de Vide, construindo ou reparando a torre de menagem
e a muralha do castelo (ou da vila?) que, por essa altura, deveria ainda
manter muitas das suas características originais do período muçulmano.
Tratava-se, no entanto, de uma obra feita ao arrepio do rei que, cada vez mais,
se apoiava no princípio jurídico do lus Crenelandi, que proclamava o monopólio
régio de edificar ou reparar fortificações, para impedir os grandes senhores de
empreender obras nas suas fortalezas ou nas que tinham sob a sua tutela». In
Miguel Gomes Martins, Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros,
Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-486-4.
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