Alquimia e Magia e Hermetismo
«(…) Ao mesmo tempo reflecte criticamente (e quem sabe com
que dor) sobre o caminho de Mathers que não conseguiu controlar os seus demónios ... a luxúria, a bebida... No entanto,
numa página solta, sem data,
citada por António Quadros, revela uma reflexão complementar, um esclarecimento
a posteriori ou a priori, não sabemos,
a esta compreensão de uma Magia integradora do plano material: Tudo é um. O satânico é tão-somente a
materialização do divino. A magia é uma só; a magia negra não é mais que a magia
branca feita materialmente. O culto fálico, quando entendido como símbolo, é
divino; quando tomado literalmente é orgíaco, e portanto satânico. Se
conhecermos os processos da magia negra e os interpretarmos como símbolo,
chegaremos ao conhecimento dos processos da magia branca. Deus é um espírito,
diz a Bíblia: e o divino é espiritual. O
Diabo e a matéria (corpo) e a Trindade Satânica: o Mundo, a Carne e o Diabo. O
Diabo (Saturno) é a Limitação. (Note-se que na biblioteca de Pessoa
existia um livro de Franz Hattman, intitulado Magic, white and black. Então,
para Pessoa,
a Magia material, satânica, é apenas
a materialização da Magia divina. Ela e satânica,
apenas porque material.
Escreveu Pessoa, num dos fragmentos para o Ensaio
sobre a Iniciação, que O
Misticismo busca transcender o intelecto (por intuição). A Magia a transcender
o intelecto pelo poder; o Gnose, a transcender o intelecto por um intelecto
superior. Quem se distinguiu, na época de Pessoa, pelo poder mágico que
possuía e desenvolvia, foi Aleister Crowley, o Mago Therion, a Besta 666,
como se denominava a si próprio, que, vindo da Golden Dawn (para onde
entrou em 1898), fundou a Astrum
Argentum (ou Stella Matutina) em 1903 e foi o máximo responsável pela O.T.O., Ordo Templi
Orientis, organização pseudo-templária, criada por Carl Kellner em 1901 que, na realidade praticava uma magia
sexual, particularmente desenvolvida por Theodor Reuss e depois por A. Crowley.
Pessoa
conheceu Crowley, através da sua obra, tendo traduzido o seu poema O
Hino a Pan e citando o lema crowleyiano Faz o que quizeres, é a única Lei o que o levou a dissertar,
a propósito: Descobre aquilo que és;
descobre o que aquilo que és deseja; faz o que desejas enquanto aquilo que és.
. Além disso, veio a conhecê-lo pessoalmente pois Crowley visitou Lisboa, em 1930, acompanhado da sua Mulher Escarlate (a sua parceira tântrica,
na época, Hanni Jaegger). Quem descreve todo este enredo à volta da visita do
Mago a Lisboa é Vítor Belém na sua obra O
Mistério da Boca do Inferno - o
encontro entre o poeta Fernando Pessoa e o Mago Aleister Crowley (publicada
pela Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, em 1995)
onde faz uma síntese das informações disponíveis até ao momento. Muito
importante é também o trabalho de Luísa Alves Um excêntrico encontro anglo-português: Aleister Crowley e Fernando
Pessoa.
De facto, terá sido uma correcção do horóscopo de Crowley,
feita por Pessoa e a ele comunicada por carta, que parece ter motivado a
curiosidade do Mago de conhecer o poeta-astrólogo (talvez também, uma mensagem - a Mensagem? - que Crowley refere numa das suas cartas a
Pessoa in Vítor Belém). Crowley esteve em Lisboa, presumivelmente 23 dias,
de 2 a 25 de Setembro de 1930, durante os quais se encontra com Pessoa (parece
que com alguma incomodidade deste), eventualmente com Augusto Ferreira
Gomes, jornalista, amigo e companheiro do poeta no mundo do ocultismo, e com um
amigo que Crowley tinha em Sintra. Qual será a identidade desse amigo que
ele parece ter ido visitar várias vezes a Sintra (cf. A. Quadros, Obras de
Fernando Pessoa e Vítor Belém, O Mistério da Boca do Inferno)? Terá ele a ver com a Quinta da Regaleira
e com o seu proprietário (de 1920 a 1945), Pedro Carvalho Monteiro, filho de António Augusto Carvalho Monteiro?
De qualquer forma, o acontecimento mais mediatizado (em
Portugal, em Inglaterra e em França) dessa visita, foi o desaparecimento do
Mago, ocorrido simultaneamente com uma simulação do suicídio de Crowley na Boca
do Inferno, em Cascais e no qual parecem ter desempenhado um papel de alguma
cumplicidade, Fernando Pessoa e Augusto Ferreira Gomes, o qual, por acaso, encontra um bilhete de Crowley
dirigido à mulher escarlate, no local
do suposto suicídio: Não posso viver sem ti. A outra Boca do Inferno
apanhar-me-á, não será tão quente como a tua (in Vitor Belém, O Mistério da
Boca do Inferno e que, também parece ter preparado
a notícia sobre este caso, no Notícias
Ilustrado, de 5 de Outubro de 1930».
In José Manuel Anes, Fernando
Pessoa e os Mundos Esotéricos, Ésquilo 2008, ISBN 978-989-8092-27-4.
Cortesia de Ésquilo/JDACT