quarta-feira, 5 de março de 2014

Sancho I. O Filho do Fundador. Maria J. Violante Branco. «… meses depois do desastre de Badajoz ainda estava em recuperação dos ferimentos recebidos nessa luta, nas caldas de Lafões, tendo permanecido aí pelo menos entre Setembro e Dezembro desse mesmo ano»

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A Longa Espera pelo Trono
Infância
«(…) Se os homens que compilaram os feitos de Afonso Henriques nos anais do rei em Santa Cruz de Coimbra, nesses finais do século XII, não emitiram qualquer espécie de comentário sobre os acontecimentos, já o mesmo não se pode dizer dos cronistas régios que trabalharam a primeira metade de Duzentos em Leão e Castela, Lucas de Tuy, Rodrigo de Toledo e o autor da Crónica Latina dos Reis de Castela (aparentemente João Soria), os quais nos dão, todos os três, versões segundo as quais, na sequência da prisão e ferimento, o rei português teria colocado a sua soberania plena e todo o reino de Portugal nas mãos do rei leonês, mas este, magnânime, teria decidido limitar a devolução territorial apenas aos territórios que lhe tinham sido indevidamente usurpados na Galiza, Límia e Toronho. Ter-lhe-ia ainda devolvido a liberdade e a soberania sobre todo o resrante reino. Todos estes cronistas mencionam ainda que, por causa da gravidade dos ferimentos, o rei português nunca mais tinha podido montar a cavalo nem lutar por todo o resto da sua vida.
A versão ligeiramente mais tardia, que chega até nós através da tradição compilada na versão crítica da Primeira Crónica Geral de Espanha de Afonso X ou Crónica de Vinte Reis, datável de finais do século XIII, já nos transmite a ideia de que Afonso Henriques, antes de partir liberto para Portugal prometera a Fernando II vir-lhe fazer preito e homenagem desde que estivesse de novo apto a cavalgar e a lutar, mas que nunca mais cavalgara. A versão claramente portuguesa destes acontecimentos, tal como recolhida na IV Crónica Breve de Santa Cruz e na Crónica de 1344 reforça a ideia de que o rei não quisera mais montar a cavalo, não por impossibilidade física, o que diminuiria a imagem do fundador, mas antes como um artifício, uma esperteza através da qual nem teria jamais de prestar vassalagem ao rei leonês, nem teria de faltar à sua palavra, perdendo a sua honra. Por isso, segundo as mesmas fontes, teria decidido fazer-se transportar em carretas durante os restantes catorze anos de vida que lhe restaram.
Na verdade, não sabemos em que estado ficou realmente a perna de Afonso Henriques, que tipo de encontro se deu, nem qual o trato que os dois reis fizeram entre si. Apenas sabemos que o rei português fora preso e libertado, e que meses depois do desastre de Badajoz ainda estava em recuperação dos ferimentos recebidos nessa luta, nas caldas de Lafões, tendo permanecido aí pelo menos entre Setembro e Dezembro desse mesmo ano. Em Novembro de 1169, numa confirmação régia, menciona-se que o documento fora feito quando o rei, regressado de Badajoz, jazia enfermo nos banhos de Lafões. Como seria de esperar, o feito foi muito mais alardeado na chancelaria régia de Leão, onde, em comemoração da proeza, se insere a memória de tal acontecimento na datação de quase todos os documentos exarados nesse ano e mesmo depois de já muito entrado 1170, referindo-se-lhe os notários quase sempre como ao ano em que o famosíssimo/sereníssimo rei Fernando prendeu o rei de Portugal em Badajoz de forma vitoriosa [victoriosissime]. Não podemos medir o efeito psicológico e propagandístico que semelhante afirmação de supremacia teria tido na corte, em Portugal, mas o facto de, na documentação régia portuguesa que chegou até nós, apenas se referir uma vez o facto de o rei estar em convalescença depois de ter regressado de Badajoz, e de as fontes cronistas mais antigas se referirem ao incidente como ao infortúnio, do rei parece por si só indicar que esse era um episódio que os meios intelectuais ligados ao rei sempre vitorioso queriam apagar ou pelo menos esquecer o mais rapidamente possível. No entanto, a incapacidade para a guerra que parece ter afectado o monarca a partir de então deve ter tido repercussões importantes ao nível dos círculos mais próximos da realeza e seus serviços, nomeadamente no que se referia aos filhos de Afonso Henriques, colocando-se e questão da sucessão do rei, a partir desse momento, com uma premência que até então ainda não se fizera sentir.
Parece ser a partir desta altura que podemos atestar a presença do infante Sancho na documentação saída da chancelaria do pai de forma muito mais comparticipante das decisões régias e muito mais activa nas tarefas da governação do reino que até então. A certeza desta comparticipação apenas a podemos ter pela análise cuidada da documentação, pois nenhuma fonte directa no-la relata explicitamente até 1173. Com efeito, logo em Setembro de 1169 e a partir do grupo de documentos exarados em Lafões, durante a recuperação do rei após Badajoz, o sinal rodado com que a chancelaria régia autentica os documentos de Afonso Henriques passa a incorporar o nome de Sancho, com o epíteto de rei, ao mesmo tempo que secundariza ou omite os nomes dos restantes irmãos. Que mais podemos saber, com base no que essa documentação nos transmite, de um momento que deve ter sido tão importante para o jovem infante, mas que nenhuma outra fonte parece interessada em veicular? Será que através da análise de uma documentação que costuma mencionar os nomes dos reis e de seus filhos podemos tirar algumas conclusões sobre os anos de juventude de Sancho I e relacionamento com os irmãos que explique e evidencie o papel que seria chamado a desempenhar logo a seguir ao desastre de Badajoz? A resposta não é inequívoca». In Maria João Violante Branco, Sancho I, O Filho do Fundador, Temas e Debates, Livraria Bertrand, 2009, ISBN 978-972-759-978-3.

Cortesia de Bertrand/JDACT