Cortesia de wikipedia
Sinopse
«Quais são os motivos
fundamentais que explicam a actual corrida armamentista na Europa,
particularmente entre a Inglaterra e a Alemanha? Todos os países invocam a
necessidade da sua defesa, mas essa declaração implica que alguém está disposto
a atacá-los e presumivelmente tem o propósito de fazê-lo. Em cada caso, quais
motivos os Estados temem que possam ser determinantes de uma conduta agressiva
por parte dos seus vizinhos? Esses motivos se fundamentam na crença universal
de que, para abrigar sua população em crescimento e para o desenvolvimento da indústria,
ou simplesmente para garantir a seu povo as melhores condições possíveis, as
nações estão obrigadas necessariamente a buscar sua expansão territorial,
exercendo contra as demais a sua pujança política. Assim, a competição naval da
Alemanha é considerada como a expressão da necessidade crescente que tem uma
população que se expande de encontrar um lugar no mundo, necessidade que tende
a ser satisfeita mediante a conquista das colónias ou do comércio da Inglaterra,
a não ser que a defesa dos países visados torne isso impossível. Presume-se,
portanto, que a prosperidade de uma nação depende do seu poder político; que,
como as nações competem entre si, o triunfo está reservado, em última análise,
à que dispuser de força militar preponderante, enquanto as nações mais fracas
devem sucumbir, a exemplo do que acontece nas demais esferas da luta pela vida…».
Prefácio. José Paradiso
«Pacifismo e militarismo
na fronteira entre dois séculos. Juntamente com as questões social, nacional,
democrática e religiosa, a da guerra e da paz foi um dos temas que mais
provocou atenção por parte dos que viveram na transição entre os séculos XIX e XX,
fossem governantes, intelectuais ou homens e mulheres comuns. Em torno desses
temas ocorreram os mais inflamados choques políticos e os mais ardorosos
debates ideológicos. Certamente essas preocupações não eram novas, mas um
conjunto de circunstâncias, entre elas a forma como tais questões se vinculavam
entre si, faziam com que ganhassem uma intensidade como poucas vezes no
passado. Devido à distância em que pareciam ter ficado as disputas napoleónicas
e às características da ordem mundial que as haviam sucedido, os mais optimistas
se tinham apressado a anunciar o desaparecimento definitivo do flagelo da
grande guerra. Julien Benda lembraria: em 1898 estávamos sinceramente
convencidos de que a era das guerras terminara. Durante os quinze anos
transcorridos entre 1890 e 1905 os homens da minha geração acreditaram
realmente na paz mundial. Sem dúvida essa ideia resultava da constatação de
que durante quase um século tinham sido registados dois grandes ciclos de paz,
e que só houvera cerca de um ano e meio de luta entre os maiores países
europeus. No entanto, atribuir essa crença a toda uma geração era um exagero,
sobretudo porque esse optimismo contrastava com uma corrida armamentista que
crescia ano após ano, e na qual as potências embarcavam com entusiasmo não
dissimulado. A rigor, durante toda a última parte do século XIX, um novo cenário
mundial se havia formado, com a completa convergência e cruzamento de ideias e
de factos, por trás dos quais estavam as forças da industrialização e do
nacionalismo, ambas destinadas a minar as bases do sistema pós-napoleónico. Na
ordem dos factos, sobressaíam as crescentes tensões a que se via submetido o
equilíbrio manifestado como um concerto de potências, mas que em última
instância descansava sobre os ombros da Inglaterra, e que permitira o grande hiato
que se seguiu à Conferência de Viena. A efervescência nacional golpeava as
bases do sistema internacional. A guerra franco-prussiana não só selou a
unidade alemã, como queria Bismarck, mas activou uma nova lógica de
reacomodações e confrontações entre as potências, as quais começaram a elaborar
uma trama de alianças e contra-alianças que promovia animosidades, prevenções e
previsões. Ao lado das circunstâncias políticas, mas não de forma independente,
produzia-se uma transformação no cenário económico mundial, de facetas variadas
e com múltiplas consequências. O que importava não eram as manifestações
conjunturais, retracção entre 1875 e 1895 e expansão de 1895 até as vésperas da
I Grande Guerra, ou o desempenho de novas potências industriais que reduziam as
vantagens obtidas pela Inglaterra, mas sim o fenómeno que havia na sua base:
uma nova fase do desenvolvimento capitalista materializada na aceleração do
impulso integrador do mercado mundial, associado a impressionante progresso
tecnológico. Qualquer que fosse o lugar ocupado pelo observador nesse processo,
e a sua interpretação do mesmo, ninguém deixava de perceber a presença cada vez
maior do poder financeiro e da grande empresa, e menos ainda a diminuição do
mundo e a fenomenal interdependência dos seus componentes, produzida pelos
avanços assombrosos nos transportes e nas comunicações. Como lembra Marc Ferro,
no transcurso de poucas décadas as distâncias diminuem, o mundo encolhe, os
intercâmbios se multiplicam e a unidade dos hemisférios é afirmada». In
Norman Angell, A Grande Ilusão, Universidade de Brasília, 1987, tradução de
Sérgio Bath, Colecção Clássicos, ImprensaOE, EditoraUB, InstitutoPesquisaRI,
São Paulo, 2002, ISBN 857-060-089-5.
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