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Para demonstrar o 1.º ponto, bastariam as queixas formuladas em jornais,
boletins, circulares e relatórios, que de contínuo são levadas junto das
estações oficiais, a começar nos bispos e a findar nos curas das aldeias. Como
as escolas públicas, também as igrejas, capelas e ermidas, mormente na
província, se encontram em estado de ruína, umas, ao abandono, outras, e grande
número totalmente esquecidas. Em muitas delas o exercício do culto é mantido
quase exclusivamente com as alfaias que a República lhes deixou após a Lei da
Separação, tão benigna, afinal, que nem sequer aproveitou, para usos civis,
muitos dos templos que os próprios bispos desprezavam como desnecessários. A
República preveniu a miséria do clero e deu trabalho, em repartições do Estado,
aos que, tendo perdido a fé, não quiseram continuar a exercer actos de culto,
que os rebaixariam perante a própria consciência. Para os que já tinham constituido
família, procedeu em harmonia com a verdadeira caridade cristã, deste modo
salvando da miséria e do opróbrio criaturas sem culpa.
Tem
procedido assim a situação actual, unida à Igreja pela Concordata? Todos sabem
que não. Pelo contrário: os que despem o hábito e procuram trabalho compatível
com a sua cultura são apontados como indesejáveis e banidos de postos ao abrigo
das receitas do Estado. E padres há que enlouqueceram, porque os obrigaram a renegar
filhos que muito amavam (um deles, conhecido e creio que amigo do jornalista
Rocha Martins, vivia, há pouco ainda, nos arredores de Lisboa)! Há terras onde o
padre, para poder viver, é obrigado a acumular o serviço de duas ou mais paróquias.
E quantas vezes recorre ainda a trabalhos agrícolas?! Outros sei eu que se viram
na dura contingência de vender os próprios santos e as alfaias de culto! Culpa
de quem? Dos crentes que não pagam, ou do Estado Novo, que os esmaga com
impostos?
Hoje,
o povo, incluindo o próprio aldeão, na ânsia de garantir aos seus o pão de cada
dia, nem tempo encontra para assistir à missa, quanto mais para frequentar os
sacramentos! Desligou-se da Igreja, porque o Estado o desligou também daquele
nível de vida que conheceu em tempos que não vão longe. Além disso, as
populações rurais deixaram de ler, de se congregar em centros de cultura, de
ouvir prelecções, de serem despertadas para as coisas do espírito». In
Tomaz Fonseca, Fátima, (cartas ao cardeal Cerejeira), [livro Proibido e
Censurado], Editora Germinal, Rio de Janeiro, 1955, Arquivo Nacional da Torre
do Tombo.
Cortesia
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