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«(…) A embaixada portuguesa encontrava-se em Pequim desde finais de 1520,
ou talvez mesmo desde Agosto desse ano, encerrada no palácio destinado às
missões estrangeiras, em humas casas de grandes curraes (Cartas). Tomé Pires e os seus
companheiros apenas abandonavam estes aposentos para assistirem a sessões de
instrução protocolar. Uma vez chegados à capital do Celeste Império, os
estrangeiros que deveriam ser recebidos em audiência pelo Filho do Céu eram
obrigados a ensaiar minuciosamente todos os passos da cerimónia. Uma das componentes
obrigatórias do protocolo imperial incluía um conjunto de prostrações a
realizar diante do soberano chinês. De acordo com Cristóvão Vieira, os
portugueses, durante a sua estada em Pequim, dirigiam-se quinzenalmente ao
palácio imperial, onde eram compelidos a fazer 5 mensuras diante de hum muro
das casas do rey, todos em ordem, com ambos os jiolhos no chão e a cabeça e o
rosto na terra, de bruços. Assim permaneciam até os mandarem alevantar 5
vezes a esta parede (Cartas). A
descrição de Cristóvão Vieira corresponde basicamente ao koutou chinês, aportuguesado em co-tau, cerimónia ritual
efectuada diante do imperador, que consistia em ajoelhar e tocar com a cabeça no
chão repetidas vezes, normalmente nove. Entretanto, a carta de Vieira, único
documento escrito por um membro da embaixada que possuímos, não se refere
praticamente a Pequim, o que pode levar a supor que os portugueses não tiveram
qualquer oportunidade de visitar demoradamente a cidade, estando quase sempre
confinados aos seus aposentos ou encerrados em repartições oficiais. De facto,
tinha-lhes sido aplicado um estatuto de semi-prisioneiros.
Depois de resolver a questão da revolta, Zhengde decidiu regressar a Pequim,
onde chegou em meados de Janeiro de 1521. Durante a viagem de regresso à
capital, porém, sofrera um acidente de barco, do qual não conseguiu recuperar.
Depois de três meses de doença, o imperador chinês faleceu na Cidade Proibida,
em Abril de 1521. Ainda antes desta data, a embaixada portuguesa começara a
enfrentar os primeiros problemas com a burocracia imperial. Portugal nunca
antes tivera relações oficiais com a China. Consequentemente, o país dos Folangji não figurava nas listas de
estados tributários, cujas delegações eram periodicamente autorizadas a visitar
Pequim. Em termos teóricos, os funcionários chineses poderiam aceitar pedidos
de submissão à autoridade chinesa vindos de estados asiáticos. Havia exemplos
anteriores de soberanos que tinham solicitado o selo imperial, como forma de
reconhecimento da suserania da China sobre os seus territórios. Assumindo um
compromisso meramente formal, estes governantes beneficiavam de uma protecção
tutelar, que os punha ao abrigo, de um modo razoavelmente eficaz, da excessiva
ambição territorial de vizinhos mais poderosos. Este sistema de relações
externas não possuía qualquer equivalente aproximado na tradição europeia.
Antes pelo contrário, el-rei Manuel I assumia nessa época uma postura quase
imperial e apresentava-se aos soberanos orientais numa base de completa
igualdade. Um dos motivos principais do fracasso da primeira missão portuguesa
a Pequim seria precisamente a enorme distância que separava as formas portuguesa
e chinesa de entender a política externa e as relações com outros estados. Ao
chegar a Pequim, Tomé Pires apresentou às autoridades imperiais as suas
credenciais. O embaixador era portador de uma carta selada, enviada pelo nosso
monarca, cujo conteúdo se desconhece, mas onde, certamente, o Rei Venturoso escrevia a Zhengde em
termos de igualdade, como o fizera antes a outros monarcas asiáticos, mostrando
desejos de encetar relações de amizade e comércio. Nas palavras de João de
Barros, el-rei Manuel I escrevia ao modo que elle usava escrever aos Reys
Gentios daquellas partes». In Rui Manuel Loureiro, A Malograda
Embaixada de Tomé Pires a Pequim, Portugal e a China, Conferências, Séculos
XVI-XIX, Coordenação de Jorge Santos Alves, Fundação Oriente, Lisboa,
1997-1998, ISBN 972-9440-92-1.
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