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A
cidade e o exterior. As muralhas
«(…)
Os mais espectaculares, os mais dramáticos, os mais significativos foram
aqueles sofridos pelos habitantes de algumas cidades do Sul quando da cruzada
dos albigenses. Em 1209, os cruzados franceses sitiam Béziers. A canção em
occitano iniciada por Guillaume Tudèle conta assim a ilusão dos habitantes de
Béziers1: E achavam que a sua cité estava
tão bem fechada, e por muros cercada e estreitada, que não poderia ser forçada
por um mês inteiro. Ora,
logo após a chegada dos cruzados, libertinos (truands, arlots, gars, como
ainda lhes chamam os textos da época), provavelmente mercenários especialmente
treinados, arrombam as portas da cidade, abrindo o caminho para os cruzados,
que se entregaram a um dos mais selvagens massacres da história.
São mais de quinze mil... Cercam toda a
cidade para demolir os muros, descem aos fossos e dão golpes de picareta, outros
vão quebrar e despedaçar as portas. Vendo isto, os burgueses foram tomados de
pavor...
Depois,
nesse mesmo verão de 1209, é o sítio de Carcassonne. Os seus habitantes tomam mais
precauções do que os de Béziers, destruindo inclusive o refeitório, o celeiro e
as estalas da igreja dos cônegos regulares para reforçar os muros da cidade.
Eis o começo do relato do cerco pelos assaltantes: no terceiro dia, os nossos,
esperando tomar de assalto e sem máquinas o primeiro subúrbio, que era um pouco
menos fortificado que o outro, precipitaram-se sobre ele todos ao mesmo
tempo... Tomaram o primeiro subúrbio, que os inimigos tinham abandonado imediatamente...
Os nossos julgaram que poderiam tomar da mesma forma o segundo subúrbio (que é,
de longe, mais fortificado e mais bem defendido). Ante esse assalto, o visconde
e os seus defenderam-se de maneira tão viril que os nossos tiveram de
retirar-se do fosso onde haviam penetrado, sob um jacto incessante de pedras.
Os nossos levaram máquinas, chamadas roqueiras pierrières, para demolir os muros. Quando o alto das
muralhas foi abalado pelo arremesso das roqueiras, nossos fogueteiros
levaram um carro de quatro rodas, coberto de peles de bois..., os adversários
logo o destruíram, lançando ininterruptamente fogo, paus, pedras, sem conseguir
retardar o trabalho dos sapadores, os quais se haviam introduzido no fundo de
uma cavidade praticada na parede... No dia seguinte, ao raiar do dia, o muro
demolido desabou... A canção occitana conta-nos o último episódio.
O visconde e os seus subiram aos muros,
lançaram-se com balestras flechas munidas de pena,
e de ambos os lados muitos morreram.
Se o povo que se reunira não fosse tão grande,
pois viera de toda a terra,
jamais se teria conseguido tomá-la e forçá-la em
menos de um ano,
porque as torres eram altas e os muros ameados.
Mas a água lhes foi tomada, e os poços secaram,
devido ao grande calor e ao pleno verão,
devido a infecção que se espalha entre os homens,
que caíram doentes.
E ao numeroso gado que se esfolara
e que fora trazido de toda a região,
devido aos fortes gritos, que de toda parte
soltavam
mulheres e crianças, dos quais tudo estava
atulhado...
Em
compensação, no ano de 1240, quando o descendente dos Trencavel, a família viscondal,
tentou retomar a cidade e a sitiou, não teve êxito. O relato do senescal
Guillaume d‘Ormois em Branca de Castela especifica as consideráveis melhorias trazidas à muralha quando da reconstrução de
1228-1299. Fizeram-se liças protegidas por uma muralha em alvenaria munida de
um parapeito ameado e flanqueado de torres de apoio e de pelo menos três
barbacãs. Assim, tal como nos castelos fortificados, a defensiva prevaleceu
habitualmente nas cidades, e as muralhas dissuadiram ou resistiram. Quase sempre a fome, a sede, a doença ou a traição
explicam as derrotas pouco numerosas dos cidadãos sitiados. Compreende-se
que o primeiro cuidado dos sitiantes vencedores tenha sido o de fazer destruir
por razões militares e simbólicas essas muralhas, sinal insolente do espírito
de resistência dos citadinos». In Jacques le Goff, O Apogeu da Cidade
Medieval, 1980, Livraria Martins Fontes Editora, 1989, 1992, ISBN
978-853-360-127-1.
Cortesia
de LMartinsFontesE/JDACT