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«(…)
A Henrique pareceu-lhe ver tremer uma lágrima nos olhos da condessa, tão
cruelmente e indirectamente ofendida, e louco, alucinado, caiu-lhe aos pés. Oh!,
perdoai-me, Diana!..., exclamou ele extremamente agitado, perdoai-me, porque o
meu amor é tamanho que decerto me perturba a razão! Mas ao ver-vos tão bela e encantadora,
parece-me impossível que haja alguém que se não apaixone por vós, e que não empregue
todos os meios para que vós aceiteis o seu amor… Não me desprezeis, Diana, porque
senão, à fé de Valois!... cometo uma loucura!... E o mancebo, em cujo cérebro
se debatiam as mais delicadas fantasias cavalheirescas com os grosseiros
costumes das caçadas e dos quartéis, prostrou-se de novo aos pés da condessa. Esta,
como que absorvida num pensamento mais alevantado, não reparava no mancebo, e deixava
que este lhe apertasse a mão com apaixonado ardor. E contudo, murmurou a
condessa, ao cabo de um breve silêncio, e contudo, seria todo o meu sonho ser a
inspiradora de um jovem, valente, poderoso…, guiá-lo no caminho da glória…, fazer
dele um grande príncipe, um herói… Oh! Diana, exclamou Henrique, correspondei
ao meu amor, e fareis de mim o que quiserdes..., e eu considerá-la-ei como a
salvadora da casa de França. Silêncio! erguei-vos!, respondeu a condessa, que viu
que era tempo de pôr termo àquela cena. Vem aí algum dos meus criados. Com
efeito, naquele momento batiam à porta do salão e uma aia, tendo pedido
licença, entrou e inclinou-se, dizendo à condessa: senhora, o reverendo padre
Lefèvre chegou agora para a conferência espiritual do costume. Que o reverendo
padre tenha a bondade de passar ao oratório…, Monsenhor, perdoai-me se vos
deixo; vou falar com o senhor de todos os tronos, vou confessar-me a um
ministro de Deus. Sois uma santa!, exclamou o príncipe, depondo na bela mão da
gentil dama um beijo apaixonado. A condessa deu-lhe em troca um sorriso cheio
de amor e de tristeza; depois, tendo acompanhado o príncipe até à porta, como
competia à hierarquia do seu real adorador, dirigiu-se para o oratório, onde a
esperava o reverendo padre Lefèvre. Se Henrique a tivesse visto naquele
momento, é provável que a sua paixão se convertesse em horror. A fisionomia
daquela mulher brilhava de uma alegria tão malévola, nos seus lábios pairava um
ar de desprezo tão profundo, que a beleza ideal da inconsolável viúva desaparecia,
dando-lhe ao rosto uma expressão sinistra em que se reflectiam as mais tristes paixões.
Como os grandes comediantes, Diana tinha expressão de teatro e uma expressão
verdadeira, e esta era a mais repugnante e odiosa que se podia imaginar!
O
reverendo padre Lefèvre
Ao passar
da sala onde recebera o príncipe para o oratório onde a esperava o jesuíta, Diana
lançara sobre os ombros uma capa, que cobria todas as cândidas belezas, cuja vista
acendera tamanho foge de desejos no coração do príncipe Henrique. A sereia bem
compreendia que os meios de influir sobre um mancebo inexperiente e inflamável
deviam ser diferentes dos que precisava empregar para ser bem vista por um sombrio
e austero frade. Por isso, quando entrou no oratório, Diana levava um vestido muito
simples, e apresentou-se de fronte serena, com o olhar franco e tranquilo de
quem não tem nada que se lhe lance em rosto. O padre Lefèvre pouco tinha mudado
desde aquele dia em que o vimos entre os cavaleiros templários tomar o partido
de Inácio de Loiola, e inscrever-se com os outros cinco companheiros na nova
instituição, proclamada por Inácio sob o nome de Companhia de Jesus. Era sempre
o mesmo tipo de montanhês, de elevada estatura, de porte austero, magro, de feições
e formas angulosas. Conservava-se ordinariamente de olhos baixos, mas era fácil
perceber, quando erguia o olhar, que a humildade monástica não tinha apagado
neles o lampejo de orgulho. Tinha agora a fonte mais escampada, por lhe
rarearem os cabelos, e isso fazia com que ela parecesse mais vasta, dando à
figura do ex-estudante saboreando uma expressão de severa majestade, que
incutia respeito.
Lefèvre
saudou Diana com uma ligeira inclinação quando esta ao entrar se curvou profundamente.
Perdoai-me, meu padre, disse a viúva, se não vim tão depressa como desejava;
mas uma visita de cerimónia… Não foi por causa dessa visita de cerimónia que
perdestes tanto tempo, minha filha, disse o padre, que com um olhar rápido
tinha observado o vestido de Diana. Perdestes também alguns instantes para
enganar o vosso pai espiritual. Eu!, exclamou Diana, cheia de confusão. Sim,
vós…, receastes que eu achasse demasiado mundano o vestuário com que recebestes
o príncipe Henrique, e mudastes de vestido…, como se a vista de um sacerdote pudesse
ser perturbada pelo que desperta a admiração e os desejos dos outros homens. Em
outra qualquer ocasião a senhora de Brezé ficaria maravilhada por ver que um
estranho assim adivinhava os seus mais íntimos pensamentos; mas o padre Lefèvre
já por vezes lhe dera tais provas da sua onisciência, que a condessa já de nada
se espantava. Inclinou a fronte, que passado um momento, ergueu. Então cometi
um pecado?, perguntou ela. Pecado? Não; além de que, bem sabeis, minha filha,
que nós procedemos com brandura e circunspecção, antes de considerarmos
pecaminoso um acto qualquer. Entretanto, tivestes um trabalhe inútil, o que é
muito para sentir, dada a importância da vossa missão. Mas não falemos mais
disso… Viestes para vos confessardes?» In Ernesto Mezzabota, O Papa Negro, 1947,
tradução de Adolfo Portela, Brasil, Exilado dos Livros, Epub, 2001, ISBN
858-671-001-6.
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