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Festas bacanais. Argumento
«(…)
Fazem concílio os bêbados de porte,
opõe-se
aos Bagulhentos Pedro ingente;
favorece-os
o Catigela forte,
no
Lamarosa tem seu lava-dente.
De
inveja Lieo lhes busca a morte,
descendo
a Monte-mor contra esta gente,
que
vê em rio Mourinho a acção traidora,
e
a Peramanca chega venceora.
I
Borrachas,
borrachões assinalados,
que
de Alcochete junto a Vila Franca,
por
mares nunca dantes navegados
passaram
inda além de Peramanca:
em
pagodes, e ceias esforçados,
mais
do que se permite a gente branca,
em
Évora cidade se alojaram,
onde
pipas e quartos despejaram:
II
também
as bebedices mui famosas
daqueles
que andaram esgotando
o
império de Baco, e as saborosas
águas
do bom Louredo devastando;
e os
que por bebedices valerosas
se
vão das leis do reino libertando;
cantando
espalharei por toda a parte,
se a
tanto me ajudar Baco, e não Marte.
III
Cessem
do Novelão, do gran Barbança
as
grandes bebedices que fizeram;
cale-se
do Rangel e do Carrança
a
multidão dos vinhos que beberam,
que
eu canto d'outra gente e doutra lança,
a
quem frascos de vinho obedeceram:
cesse
tudo o que a musa antiga canta,
que
outro beber mais alto se alevanta.
IV
E
vós, bacanais ninfas, pois criado
em
mim tendes a sede tão ardente,
se
sempre em largo copo espraiado
festejei
vosso vinho alegremente,
dai-me
agora um bom papo despejado
para
beber à perda co'esta gente,
porque
de vossas águas Baco ordene
um
rio para bêbados perene.
V
Dai-me
uma vasilha mui cheirosa,
seja
de bom licor, não saiba a arruda,
de
Peramanca seja que é gostosa,
o
peito esforça, a cor ao gesto muda;
dai-me
igual nome às taças da famosa
gente
vossa que Baco tanto ajuda;
que
se espalhe, e se cante no universo,
se
tanta bebedice cabe em verso.
VI
E
vós, Fernan Gonçalves, segurança
das
festas de Lieo em esta idade,
podeis
atravessar com confiança
quantas
adegas há nesta cidade:
vós,
mano, nosso amor, nossa esperança,
a
quem só prometemos lealdade,
pois
Baco a nós vos deu por cousa grande,
seja
a medida assim de quem a mande.
VII
da árvore de Cibele mais amada,
que nenhuma nascida em Benavente
ou pelo rio abaixo até Almada.
Vede-o
nas toalhas, que presente
vos
mostra a bebedice já passada,
nas
quais vivas lembranças vos deixou
o
que de vinho mais se carregou.
VIII
Vós,
alto taverneiro, cujo império
o
bêbado em se erguendo vê primeiro,
ou
beba neste nosso hemisfério,
ou
beba lá nesse outro derradeiro:
e
nem por isso sente vitupério
o
fidalgo, o estudante, o cavaleiro,
antes
o Turco, o Mouro, e o Gentio
lhes
pesa não beber do vosso rio:
IX
inclinai
por um pouco a majestade,
que
no azamboado rosto vos contemplo,
quando
fordes c'os mais desta cidade
ofertar-vos
a Baco no seu templo:
os
olhos da real bebecidade
ponde
no borrachão, vereis exemplo
de
amor de vossos vinhos saborosos
por
bêbados louvados espantosos.
X
Então
vereis se sois bem conhecido
de
todos os amigos de Falerno;
que
não é pouco ser obedecido
no
estio, primavera, outono, inverno:
ouvi,
vereis o nome engrandecido
daqueles
de quem sois senhor superno;
e
julgareis qual é mais excelente
se
ser do mundo rei, se de tal gente».
[…]
In Décio Carneiro, Paródia ao Primeiro
Canto dos Lusíadas de Camões, Quatro Estudantes de Évora, 1589, 1880, autoria
anónima, Projecto Livro Livre, livro 660, 2015, Poeteiro Editor Digital, Iba
Mendes.
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