sábado, 25 de março de 2017

Paródia ao Primeiro Canto dos Lusíadas de Camões. Quatro Estudantes de Évora. 1589. Décio Carneiro. «Depois, como se divulgou, cada um a quis emendar como entendia, donde vem andarem hoje as cópias com tanta diversidade de leituras»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) As únicas notícias biográficas que dele sabemos, são as apontadas por Toscano na sua notícia. O quarto dos teólogos, e ao que parece o mais teólogo de todos, foi o pobre Luiz Mendes Vasconcelos, cujo ronceiro estro só lhe pôde inspirar um único verso. Não se confunda este obscuro indivíduo com o autor do Sítio de Lisboa e da Arte militar, suposto fossem contemporâneos. Um dedicou-se à Igreja, o outro às armas. Esta paródia chegou a alcançar certa celebridade, ainda que até agora nunca fosse impressa. Eis-aqui o que dela diz Faria Souza, falando de outra de um soneto de Garcilasso, atribuída a Camões: lo que mi poeta hizo conquel soneto de Garcilasso, pasándose de tanta gravedad a tanta picardia, hizo otro ingenio Português con el canto 1º de su Lusiada, intitulándole Borrachera; porque celebra en él à algunos aficionados del vino; y las mas de las otavas son bueltas à este propósito con gran felicidad. E depois de dar como amostra os quatros primeiros versos da 1ª oitava, prossegue: el canto 2º continuó (y no con menos felicidad) António Magallanes Menezes, señor de la Ponte da Barca, que este ano de 1645, aqui en Madrid, me referió algunas estânsias. Yo, quando en mi mocedad atendia à esto, bolvi tambien algunas, de que se me acuerdan los primeros quatro versos de la 90 del canto 5º, que son:

Da boca de facundo capitão, &c.
Y mi rebuelta dice deste modo:
da boca do fecundo borrachão
pendendo estavam todos bem bebidos,
quando deu fim a grande inundação
dos altos copos grandes e subidos!
In Coment. às Rim. Tom. 1º.

Festas bacanais: Conversão do primeiro canto dos lusíadas do grande Luiz de Camões, vertidos do humano em o de-vinho por uns caprichosos autores: S. O. Dr. Manoel Vale, Bartolomeu Varela, Luiz Mendes Vasconcelos, e o licenciado Manoel Luiz, no ano de 1589.

Notícia
Esta obra da conversão do primeiro canto do poema de Luiz de Camões se fez no ano de 1589, para a qual concorreram quatro pessoas, a saber: o Dr. Manoel Vale, deputado da Santa Inquisição (maldita), que compôs o livro dos Ensalmos em latim, que agora imprimiu: outro foi Bartolomeu Varela, natural de Viana, junto a Évora, o qual faleceu, que era irmão de Diogo Pereira, que foi este ano às Cortes, que el-rei Filipe II fez em Lisboa, por Procurador desta cidade de Évora. Foi Bartolomeu Varela clérigo e grandíssimo poeta. O terceiro foi Luiz Mendes Vasconcelos, criado do arcebispo Teotónio; o qual posto que não era poeta, se achou ao fazer da obra; e só fez um verso, que é o último da oitava 17; porque estando eles suspensos no cuidado de completarem a dita oitava e parados no verso que diz:

Porque este é o que aguenta a velha idade, acudiu o dito Luiz Mendes, concluindo:

Desterrando a água-pé desta cidade.

O quarto e principal autor foi o licenciado Manoel Luiz, Bacharel; e este ano de 1619 vive com o Priorado de Terena. Este foi o promovedor desta obra, e a fez quase toda, ou o melhor dela. Quando a fizeram eram então todos teólogos; e às tardes, acabado o estudo, saíam pela porta de Machede, e assentados num ferrageal, iam traduzindo para a bebedice as tais oitavas de Camões, fingindo uma embarcação de Lisboa para Évora, como Camões a de Portugal para a Índia Oriental; e compuserem a tal obra dentro de dois meses, no cabo dos quais saíram com ela: sendo que já os estudantes suspeitavam de alguma aplicação (posto que não soubessem de certo o que era) pelos verem ir todas as tardes para fora dos muros, e comunicarem os seus papéis, sem darem conta disso a ninguém.
Finalmente, saída a obra, foi muito festejada e estimada de todos; e lendo-a o padre Ferrer, castelhano (varão doutíssimo da Companhia, do qual o Dr. Manoel Vale traz uma carta no seu livro) e falando-se nela, costumava dizer, que era a melhor obra que nunca saíra nem ele vira, se não fosse tão suja. Depois, como se divulgou, cada um a quis emendar como entendia, donde vem andarem hoje as cópias com tanta diversidade de leituras. Porém eu, esta que aqui vai, a trasladei do próprio original e letra de Bartolomeu Varela, que está em poder do Chantre da Sé desta cidade, Manoel Severim Faria, que a houve do dito Varela, e lhe fiz algumas cotas para inteligência da obra. Isto me parece basta para se saber o como esta obra se fez. E eu Francisco Soares Toscano o fiz aos 10 de Janeiro de 1619». In Décio Carneiro, Paródia ao Primeiro Canto dos Lusíadas de Camões, Quatro Estudantes de Évora, 1589, 1880, autoria anónima, Projecto Livro Livre, livro 660, 2015, Poeteiro Editor Digital, Iba Mendes.

Cortesia de IbaMendes/JDACT