terça-feira, 4 de dezembro de 2012

A Geometria em Portugal no início do século XVIII. A Náutica e a Ciência em Portugal. Luís Albuquerque. «A segunda parte da “Lógica Geométrica” trata dos ângulos, de alguns quadriláteros, como o paralelogramo, triângulos, em especial os triângulos rectângulos, para os quais demonstra o teorema hoje dito de Pitágoras, mas que Fortes não lhe atribui…»

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«Embora todo o tratado de Azevedo Fortes, excluindo a introdução que para ele escreveu, mereça uma análise cuidada como contributo para o estudo das raízes do pensamento iluminista em Portugal, limitar-me-ei a descrever sumariamente as características da segunda parte da obra, ou seja, ‘Da Logica Geometrica’. Trata-se aí de fornecer ao leitor os elementos da geometria a partir do modelo euclidiano; disso nos previne logo Azevedo Fortes no proémio desse texto, e por estas palavras bem claras:
  • Nesta segunda parte, em que tratamos a Logica Geometrica, seguiremos ao M. R. Padre Bernardo Lamy da Congregação do Oratorio, pela nova forma, que deu aos Elementos de Euclides, tratando separadamente, e com desmonstraçoens novas as tres dimençoens do corpo: l. das linhas, 2. das superficies, 3. do corpo, ou solido; emmendando o defeito de Euclides que não fez esta separação’.
O texto inicia-se com a indicação do que deve entender-se por axioma, postulado, definição, teorema, problema, lema e corolário. Convirá fazer uma pequena pausa para vermos o que Azevedo Fortes diz sobre os postulados:
  • para ele “são algumas proposições, em que se pede, se concedão, como certas, e claras, ainda que o não sejão; por pedirem alguma atenção, se devem conceder; porque são evidentes na especulação; mas muitas vezes se não podem reduzir a pratica [...]; cito este passo por me parecer evidente, através dele, que para o engenheiro-mor de Portugal os postulados não tinham o carácter de verdades absolutas, mas apenas as mais convenientes, na especulação, como ele diz. Em seguida introduz os sinais de maior, menor e de igualdade, dá uma série de axiomas que com eles se relacionam, todo he mayor, que a sua parte…, etc. e entra nas definições, influenciado por Euclides ponto se diz aquillo que não tem partes…, por exemplo.
No capítulo II ocupa-se das proposições que se relacionam com a noção de linha recta; por isso, acrescenta o autor, muitos Geometras as supõem sem as declarar, e nós o fazemos, pois tinha como norma proceder por noções claras, e exactas das cousas de que procurava as propriedades.
Que tipo de proposições são estas que Azevedo Fortes inclui na sua obra e muitos geómetras omitiam?
Citemos duas delas e teremos uma ideia correcta sobre a questão: Os extremos de huma linha são dous pontos, ou Entre dous pontos não se pode lançar mais, que uma linha recta; estes enunciados não se encontram nos Elementos incluídos nas proposições, e só um ou outro aparece entre os postulados euclidianos.

NOTA: Para Fortes a definição de linha recta coincide com a noção hoje corrente de segmento de recta; daí o enunciado da proposição, pois, como é evidente, no texto os pontos não são considerados pontos impróprios. Acrescente-se que também o plano é compreendido pelo autor como um rectângulo.

O capítulo III é dedicado às propriedades elementares do círculo, e o imediato à posição relativa entre duas rectas, perpendicularidade, paralelismo e obliquidade, com inúmeras proposições elementares, em parte apanhadas em Euclides, facto que o autor assinala sempre com todo o rigor. Segue-se um capítulo dedicado à posição relativa de dois círculos, e logo outro que trata da posição de uma recta em relação a um círculo.
A segunda parte da Lógica Geométrica trata dos ângulos, de alguns quadriláteros, como o paralelogramo, triângulos, em especial os triângulos rectângulos, para os quais demonstra o teorema hoje dito de Pitágoras, mas que Fortes não lhe atribui, e propriedades gerais sobre polígonos regulares inscritos num dado círculo, com teoremas e corolários que não se encontram nos Elementos; apesar de o índice expressamente dizer que no texto desta parte se trata da medida das áreas das superfícies, nada nele se encontra, de facto, que diga directamente respeito a tal assunto.
O livro III abre com um capítulo em que o autor se preocupa com as operações fundamentais aplicadas a linhas, planos e sólidos; Azevedo Fortes entra na matéria admitindo que os seus leitores sabiam, ao menos a Arithmetica mercantil, como ele diz. Será de salientar que no contexto introduz o conceito de grandeza complexa para referir quantidades que se exprimem pela soma ou pela diferença de outras quantidades, indicando como se deveria operar com elas; por exemplo: indica a regra: (a + b).(f + g) =  af+ ag + bf + bg; mas, apresentando-a tal como aqui transcrevemos, dá dela logo em seguida uma ilustração geométrica, como, aliás, faz também para as regras de sinal no produto». In Luís Albuquerque, A Náutica e a Ciência em Portugal, Notas sobre as Navegações, A Geometria em Portugal no início do século XVIII, Gradiva, Colecção Construir o Passado, 1989, ISBN 972-662-135-6.

Cortesia de Gradiva/JDACT