quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Poesia e Metromania. Inscrições Setecentistas, 1750-1820. Fernando Matos Oliveira. «Refiram-se aspectos como a apropriação mimético-identitária dos textos, o problema das interpretações referenciais e a complexidade de uma argumentação em torno do valor literário»

jdact e cortesia de wikipedia

Literatura, teoria e cultura
Argumento
«O debate cada vez menos enfático em torno dos estudos literários tem sido acompanhado por uma crescente indiferenciação teórica. A afluência contemporânea de discursos e de metadiscursos parece inviabilizar qualquer abordagem sumária da aparelhagem conceptual actualmente em uso nos diversos departamentos de Letras ou de Ciências Humanas e Sociais. O que se propõe não é exactamente uma cartografia instantânea de um território tão minado como o dos pronunciamentos teórico-literários das últimas décadas. O propósito é bem mais restrito, pretende sobretudo produzir um conjunto de inferências críticas consideradas relevantes para o curso das leituras a fazer nos próximos capítulos. As inferências em causa serão produzidas a partir do comentário da passagem paradigmática do campo da literatura, o referente tradicional dos estudos literários, para o terreno da cultura, um termo que no contexto da viragem culturalista, entretanto já em fase de balanço, tem sido mobilizado para explicar quase tudo o que se move nos arredores do horizonte académico. Mas a referência ao trânsito da literatura para a cultura interessa, antes de mais, pelo facto de este cultural turn 18 potenciar uma configuração, a partir da qual pretendo investir a crítica, enquanto inscrição, com as propriedades (pós)teóricas e (pós)culturalistas que constituem o legado mais consequente dos diversos debates ocorridos nas últimas décadas.

NOTA: O conceito tem já tradição crítica, sucedendo ao linguistic turn associado ao projecto estruturalista dos anos sessenta e setenta. A deriva culturalista passou já a fase de expansão, organizada a partir das suas raízes anglófonas. Hoje é já objecto de acentuada normalização crítica, através da edição de uma série de monografias e de publicações periódicas, as quais assumem nominalmente esta passagem, em vários espaços nacionais. Fredric Jameson, um dos nomes que mais intensamente vem ordenando as incidências do capitalismo tardio no campo cultural, chamou explicitamente a uma das suas últimas colectâneas The Cultural Turn. A Nova História Cultural expôs num manual recente as consequências e o futuro próximo do alinhamento interdisciplinar do culturalismo […]

Isto significa igualmente que a teoria se tem vindo a disponibilizar como capital académico para apropriações cada vez mais divergentes, inclusive para empreendimentos algo regressivos, por exemplo, quando a deriva cultural se reaproximou de protocolos interpretativos de teor impressionista oubiográfico. A tematização da viragem culturalista, beneficiando já de certo distanciamento crítico, permite expor de modo particularmente visível alguns aspectos importantes para o estudo da época e da textualidade e do debate.
Refiram-se aspectos como a apropriação mimético-identitária dos textos, o problema das interpretações referenciais e a complexidade de uma argumentação em torno do valor literário. Além de enfatizar a divergência entre as leituras formalistas e anti-formalistas, duas formas de perspectivar o literário que a crítica tem vindo a apresentar de modo excessivamente dual, este conjunto de questões é diversamente solicitado pela textualidade de Setecentos e pelo lugar que esta não ocupa na História da Literatura Portuguesa. As letras deste período foram marcadas por uma forte codificação estilística e retórica, mas também pela aparição autoral, por desígnios celebratórios, didácticos ou polemistas que convém ter em conta. Por esta razão, o programa crítico a convocar deverá ser capaz de fazer a mediação entre interpretações retoricistas e interpretações contextualistas, entre modalidades de leitura demasiado entrincheiradas na auto-referencialidade da linguagem, como as praticadas pelo imanentismo crítico de tipo jakobsoniano, e a adopção de um contextualismo linear». In Fernando Matos Oliveira, Poesia e Metromania, Inscrições Setecentistas, 1750-1820, Dissertação de Doutoramento em Letras, na área de Línguas e Literaturas Modernas, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, 2008.

Cortesia da Universidade de Coimbra/JDACT