quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

A Inquisição de Évora. Jornal Alentejo Popular. António Borges Coelho. «A sua presa privilegiada eram os cristãos-novos. Opunha-se tenazmente à sua fusão com os cristãos-velhos, medindo continuamente o sangue das vítimas e contrariando os casamentos mistos»

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«Sé de Évora. Templo Romano de Évora. Quando olhamos o lugar sagrado da acrópole, ladeado pela massa formidável da Sé e a leveza do Templo Romano, quando abrirmos os olhos num estremecimento ante a grandeza monumental do passado, estamos longe de imaginar o medo, a superstição, a glória assassina e os passos, por vezes de extraordinária grandeza, dos condenados ao último suplício. A Norte da praça, a Inquisição Velha (maldita) encostava os seus cárceres ao Templo Romano. Olhava o paço do Arcebispo e a Sé. Estendia-se mais tarde a poente, ocupando casas compradas ao conde da Vidigueira, ainda hoje marcadas pelas armas do Santo Oficio (maldito). A legenda Judca causam tuam circundava a espada e o ramo de oliveira. Em 1636, o arquitecto Mateus Couto redefiniu o espaço. Uma parte era ocupada pelo palácio inquisitorial, morada individualizada dos três inquisidores; na outra, erguiam-se as duas salas do despacho, os cárceres, os cárceres de vigia, a sala de tortura, não visível na planta mas onde se aplicavam os diferentes tratos, particularmente o do potro e o da polé, e ainda os cárceres da penitência. Restam uma imponente sala do despacho, diferentes espaços reaproveitados, o brasão e outros símbolos, cerca de catorze mil processos, livros de receitas e despesas, correspondência diversa, cadernos do promotor, livros de denúncias.
A Inquisição (maldita) Portuguesa nasceu legalmente em Évora no ano de 1536, legitimada pelo papa, apadrinhada pelo rei João III e pelos infantes seus irmãos que sucessivamente ocuparam a mitra da cidade, o cardeal Afonso e o futuro cardeal e inquisidor-geral Henrique. E nesta cidade se organizou o primeiro organismo dirigente, o chamado Conselho das Cousas da Fé, onde pontificava o doutor em Cânones pela Universidade de Salamanca, fundador da Inquisição (maldita) de Lisboa e futuro arcebispo de Évora, João Melo. Mas, como tribunal autónomo, a Inquisição (maldita) de Évora nasce a 5 de Setembro de 1541 com a posse do seu primeiro inquisidor, o temível licenciado Pedro Álvares Paredes, e é extinta pelas Cortes Constituintes por decreto de 31 de Março, publicado no Diário das Cortes de 2 de Abril de 1821.
Juntamente com as inquisições (malditas) de Coimbra e de Lisboa, a Inquisição (maldita) de Évora foi um tribunal dito da fé que sujeitava à sua jurisdição todos os crentes, incluído o rei, a quem por vezes ameaçou de excomunhão. Zelava pela fé tridentina (disposições aprovadas no Concílio de Trento (1564) para combater a reforma protestante), e pela limpeza de sangue. A sua presa privilegiada eram os cristãos-novos. Opunha-se tenazmente à sua fusão com os cristãos-velhos, medindo continuamente o sangue das vítimas e contrariando os casamentos mistos. O seu santo oficio consistia em vigiar, escutar, ler, prender, interrogar, submeter a tortura, julgar e condenar sem apelo nem agravo os chamados heréticos, os relapsos, os sodomitas, os feiticeiros, os bígamos, os solicitantes, os ateus. Só prestava contas ao Conselho Geral e ao Inquisidor-Geral. Todas as justiças ficavam sujeitas ao seu poder que, por intermédio do Conselho Geral e das outras Inquisições (malditas), cobria o território nacional e o império marítimo.
O seu aparelho era formado por três inquisidores com preeminência do mais antigo, o da primeira cadeira, por deputados, promotor, notário, fiscal, meirinho (oficial de diligências), alcaide e guardas dos cárceres. No pessoal eventual, incluíam-se o médico, a parteira, o barbeiro, o pintor das efígies dos condenados à morte, os padres que eram incumbidos de ajudar, nos últimos momentos, os condenados a confessar ou a morrer. A acrescentar a estes funcionários da sede, espalhavam-se pelas principais cidades e vilas os comissários ou delegados locais do Santo Oficio (maldito), escolhidos entre os clérigos mais eminentes, os familiares leigos que asseguravam com a sua espada as prisões e a ordem no auto da fé, os qualificadores ou doutores universitários que analisavam as proposições suspeitas de heresia». In António Borges Coelho, A Inquisição de Évora, Jornal Alentejo Popular, Beja, Outubro, 2006.

Cortesia de J. Alentejo Popular/JDACT