«O comércio, calculado em mais de três milhões de ouro
(cruzados, evidentemente), rendia três ou quatro vezes o capital investido. A
comunidade era de mil e duzentos portugueses e mil e oitocentos orientais, que
por ali prosperavam sem ser molestados pelos piratas. Ao sul, no entanto, os
portugueses eram muitas vezes vitimados e o comércio entre Malaca e Liampó
disso se ressentia fortemente.
Por fim, António
Faria, arruinado, resolveu vingar-se. Com o apoio dos seus companheiros
equipou uma expedição contra o seu saqueador, o famoso corsário Coja Acém,
terror da costa chinesa. A partir do Sião, Faria esmagou muitos piratas poderosos, e uma das vitórias
impressionou tanto os chineses que estes lhe enviaram uma deputação,
oferecendo-lhe um tributo de vinte mil taéis e solicitando a sua protecção como
rei dos mares. Ele de boa vontade aceitou e emitiu salvos-condutos, pondo como
condição que os portugueses fossem tratados de forma fraternal pelos chineses
sempre que se encontrassem. Foi tal a procura de salvos-condutos que, cobrando
cinco taéis a cada junco e dois a cada embarcação menor, um funcionário juntou,
em trinta dias, quatro mil taéis, além de valiosos presentes de mercadores
ansiosos de obter os seus documentos. Animada com a captura da noiva de um
marinheiro chinês e do seu séquito, a expedição teve a seguir a fatalidade de
naufragar numa ilha deserta, e a perseguição teria terminado aí não fosse o apresamento
de um barco que casualmente lá aportou para se reabastecer de água.
Então, com a frota de um pirata chinês, Faria terá eventualmente conseguido alcançar, derrotar e
matar Coja Acém e a sua horda, não dando quartel nem aos feridos e
doentes encontrados em terra. A frota vitoriosa, carregada de ricos espólios,
perdeu-se parcialmente num tufão, e a detenção em terra, de um grupo de
náufragos, terminou numa movimentada cena. Para a libertação dos homens, Faria enviou ao mandarim uma
petição e presentes, segundo o uso do país; isto não conseguiu satisfazer o
mandarim, que prometeu apenas atender com o peticionário prostrado a seus pés. Faria, muito ofendido, exigiu a
libertação, em termos de igualdade referindo o rei de Portugal e o imperador da
China como amigos e irmãos. Altamente provocado com esta comparação, o presumido
valido do Filho do Céu declarou que, como na petição se lhe haviam
dirigido como a um grand seigneur, se tinha compadecido apesar de os presentes
serem insignificantes; mas ordenava a Faria
que partisse de imediato, sem mais negociações, pois tivera a ousadia de se
intrometer em assuntos celestiais. Um resgate substancial foi rejeitado e o
mensageiro barbaramente tratado. Em consequência disto os portugueses
desembarcaram e marcharam sobre a cidade de Nou-day
(Nan-wei?) e, ao esplendor das bandeiras, dos toques de gongo e das
momices belicosas de uma turba antagonista, replicaram com uma fusilaria que
pôs a multidão presa do pânico em debandada. Perseguiram-nos, não lhes dando
quartel, e em quatro ou cinco credos, era então costume medir-se o
tempo de duração de um combate ou de algum incidente notável pelo número de credos
rezados nesse período, desbarataram as tropas estacionadas às portas da
cidade, matando a tiro o mandarim em questão, o qual vestia uma antiquada
couraça de veludo cor de púrpura, guarnecida de pregos dourados, que, conforme
se verificou depois, pertencera ao infeliz Pires.
Depois de efectuada a libertação a cidade foi saqueada e incendiada. À chegada
a Liampó, Faria propôs que
passassem o Inverno noutro lugar, receoso de que em consequência dos
acontecimentos de Nou-day, a sua
presença pudesse pôr em perigo a colónia. Foi tranquilizado com a afirmação de
que até poderia ter queimado Cantão
sem risco, tal a confusão que ia então na China. Em comemoração da vitória sobre Coja
Acém, foi brindada a Faria
uma recepção triunfal, em Liampó, durante a qual foi aclamado como um príncipe.
Em seguida, instigado por um flibusteiro chinês, começou a
pilhar os templos imperiais perto de Nanquim,
que se supunha conterem fabulosos tesouros, e, no regresso, Faria afogou-se no rio e Mendes
foi, entre outros, feito prisioneiro. Depois de uma longa descrição, na qual dá
largas à sua notória tendência para falsear a verdade, Mendes Pinto relata que
nesse mesmo ano, 1542, o vice-rei de Chequiang ordenou a destruição de Liampó,
apenas porque uma aldeia ali perto fora assaltada, por instigação de Lançarote
Pereira, em represália pelas perdas ocasionadas aos comerciantes chineses
que haviam tido necessidade de fugir com os seus bens.
Para Gaspar da Cruz, no entanto, só seis
anos mais tarde, em 1548, uma frota imperial foi especialmente equipada, em
Foquien, para correr com os piratas de Liampó. Segundo o relato de Mendes
Pinto, em cinco horas, uma força de sessenta mil homens e mais de
trezentas embarcações reduziu Liampó a um monte de ruínas, uma catástrofe que
custou as vidas de doze mil cristãos, dos quais oitocentos portugueses, que
morreram nas chamas, a bordo de trinta e cinco navios e quarenta e dois juncos,
perda que foi avaliada em dois milhões e meio de cruzados de ouro». In
Carlos Montalto de Jesus, Historic Macao, 1926, Macau Histórico, 1ª edição em
Português, 1990, Livros do Oriente, Fundação Oriente, ISBN 972-9418-01-2.
Cortesia da F. Oriente/JDACT