terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Poemas da Hora Presente. Lília da Fonseca. «… daí que nos parece o mundo uma coisa tão enorme, e nós, dentro dele, uma coisa tão pequena. O mundo ou a nossa vida possível é sempre mais que o nosso destino ou vida efectiva…»

jdact e cortesia de wikipedia

Romance em carne viva
Ninguém ousou olhá-lo de frente a frente bem nos olhos,
quando o Zé Tocha saiu da sombra
e disse ter os dez filhos com fome.

Vinte anos pagou, pagou, pagou…
P’ra a Caixa, p’ra a doença, p’ra a reforma…

E nas andanças da vida
Zé Tocha está com baixa por doença
e tem dez filhos com fome…

Olhos nos olhos
ninguém ousou mais olhá-lo;
nem o contínuo, nem o senhor do guichet,
nem os náufragos
que no corredor da Assistência
esperavam, esperavam, esperavam,
de mão estendida…

Trabalhadores da vida
como mendigos
ou como párias.

E toda a luz se consome
e morrem todas as árias
pois como aguentar nos olhos
e olhar louco de um homem
que trabalhou toda a vida
e tem dez filhos com fome!

Antevisão
A dor não existe,
a tristeza não existe,
a lassidão não existe…

Existes tu, Homem,
como escultor da vida.

E depois,
quando modelares por tuas mãos
a estrutura nova da vida,
das trevas nascerão sóis
e o teu coração como uma pomba liberta,
voará como uma pomba liberta!

Homem, tens na tua frente a estrada aberta
à espera dos teus passos…
Por que hesitas?

Poemas de Lília da Fonseca, in “Poemas da hora presente

 JDACT