segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A Vida Breve. Memória. «Hoje será como todos os dias: lhe falarei, junto ao leito, mas ele não me escutará. Não será essa a diferença. Ele vivia noutro mundo. Diferença está na marmita que adormecerá, sem préstimo, na sua cabeceira. Ele devorava os meus preparados…»

Cortesia de wikipedia

Para a D. Flora e Filhas

Companheiros
Quero escrever-me de homens
quero calçar-me de terra
quero ser
a estrada marinha
que prossegue depois do último caminho.

E quando ficar sem mim
não terei escrito
senão por vós
irmãos de um sonho
por vós
que não sereis derrotados.

Deixo-vos
a paciência dos rios
a idade dos livros que não se desfolham.

Mas não lego
mapa nem bússola
porque andei sempre
sobre meus pés
e doeu-me às vezes viver.

Hei-de inventar
um verso que vos faça justiça.

Por ora
basta-me o arco-íris
em que vos sonho.

Basta-me saber que morreis demasiado
por viverdes de menos
mas que permaneceis sem preço
companheiros.

Poema de Mia Couto, Moçambique, África, 1984.

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