A Herança d’O Bolonhês
«Afonso III, o quinto rei de Portugal, foi pai de uma numerosa prole. Dos
filhos ilegítimos, cujas datas de nascimento se desconhecem, as fontes atestam
os nomes de Afonso Dinis, Gil Afonso, Leonor, Martim
Afonso Chichorro, Rodrigo e Urraca, enquanto dos legítimos,
resultantes do casamento com D. Beatriz de Castela, são conhecidos os nomes de Branca
(1259), Dinis (1261), Afonso (1263), Sancha (1264), Maria
(1264-1265), Vicente (1268) e Fernando (a. 1269);ou seja, um
total de 13 filhas e filhos. Contudo, de entre todos eles e para além do seu
sucessor no trono, nenhum outro alcançou tanto poder, projecção e notoriedade, ainda
que nem sempre pelos melhores motivos, como o célebre Infante Afonso, senhor das
praças-fortes de Castelo de Vide, Arronches, Marvão e Portalegre. O
terceiro filho d'O Bolonhês e de D.
Beatriz terá nascido a 6 de Fevereiro de 1263,
começando a ser referido na documentação régia logo no mês seguinte. Porém, ao
contrário do que seria de esperar e daquilo que era habitual, o infante não
terá sido criado por um nobre ligado ao monarca, mas sim por um clérigo do rei,
Martim Peres. Claro que isso não invalida que a sua preparação não tenha
também privilegiado uma importante componente guerreira, no âmbito da qual terá
aprendido a montar e a manusear a espada e a lança, pois era isso que se
esperava de um nobre, de um futuro comandante de tropas e, acima de tudo, de um
infante filho de rei que, em última análise, poderia mesmo vir a ascender ao
trono.
É em 1271, quando atinge os
oito anos de idade, que o jovem Afonso
recebe de seu pai um importante senhorio fronteiriço situado na região de Portalegre
e que, para além desta vila, incluía ainda as praças-fortes de Arronches
e de Marvão, a que se acrescentou dois anos depois, alegadamente a
pedido do próprio infante, a localidade de Castelo de Vide e, talvez, o
castelo e vila de Alegrete. E à boa maneira dos apanágios franceses, que Afonso III bem conhecia e em cujo
modelo certamente se inspirou, como sugere Bernardo Sá Nogueira, este vasto
senhorio poderia ser legado pelo detentor ao seu filho primogénito e legítimo
ou, na ausência de um varão, à mais velha das suas filhas legítimas. Contudo,
se porventura nenhum destes requisitos fosse cumprido, ou seja, caso não
existisse qualquer descendência legítima, todo esse património deveria
regressar à posse da Coroa.
Apesar de não conhecermos os motivos que levaram Afonso III a abrir mão de uma tão vasta parcela de território, é muito possível que pretendesse com isso, eventualmente por pressão da rainha D. Beatriz, - assegurar alguma autonomia financeira ao infante, de modo a que este, futuramente, não ficasse exclusivamente dependente da generosidade do irmão primogénito, Dinis e, ao mesmo tempo, porque isso lhe poderia vir a abrir as portas para um bom casamento político, aliás como foi sublinhado por Leontina Ventura. E não deixa também de ser possível que todas essas questões tenham surgido de forma mais acutilante precisamente nesse ano de 1271, altura em que o monarca parece ter sido acometido por uma grave doença ao ponto de decidir também lavrar o seu testamento. Para além de pretender, legitimamente, assegurar o futuro do seu filho e seus descendentes, é admissível que nos objectivos d'O Bolonhês estivesse também uma clara preocupação com a dinamização, o povoamento e a organização militar e defensiva dessa região, algo que adquiria uma importância estratégica acrescida, porquanto se tratava de territórios, por um lado, cuja conquista e domínio, levada a cabo no reinado de Sancho II, era ainda, para todos os efeitos, relativamente recente e, por outro, porque confinavam com a raia castelhano-leonesa.
Mas por o infante não ter ainda idade suficiente para assumir, de facto,
a posse do seu senhorio, aquelas praças-fortes foram entregues a Rui Garcia
Pavia, atestado como alcaide de Lisboa em 1270 e conselheiro régio entre 1263 e 1274, cargos que revelam
tratar-se de um homem da inteira confiança de Afonso III, o que explica
inteiramente a escolha do monarca. Rui Garcia ter-se-á mantido ao
comando dessas fortalezas, supomos, pelo menos até à sua morte, em 1276, altura em que o infante passou
então a assumir, de facto, o controlo de todo o seu senhorio, já que estaria
prestes a atingir a idade de róbora,
ou seja, os 14 anos de idade. O já de si vasto senhorio de Afonso seria ainda ampliado pouco tempo
depois, em Janeiro de 1278, com a
doação da vila e do castelo da Lourinhã e, em Julho desse ano, da
povoação vizinha de Vila Pouca, junto de Torres Vedras, a que se
acrescentaria ainda a localidade de São Vicente da Beira, em altura
que não é possível descortinar, o que convertia
o infante no mais poderoso senhor laico do reino». In Miguel Gomes Martins,
Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN
978-989-626-486-4.
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