Casamento
«(…) Puxou a manga de Maria. - Devíamos conhecer-nos amanhã e eu traria
o vestido criado especialmente para essa ocasião. E aqui estou eu, envergando
uma saia e um corpete tão feios. Vai pensar que não passo de uma criada. -
Mirou ansiosamente o seu traje: uma saia de veludo verde com um avental de
cetim verde a condizer, um simples corpete preto apertado com fitas, ornado
apenas com minúsculas esmeraldas e pérolas. Não se avistava qualquer outra jóia.
- E o meu cabelo, puxado para trás e simplesmente enrolado. O almirante falou,
desesperado por conferir alguma formalidade àquela situação desesperada. -
Senhor, com a vossa permissão, permiti-me que vos apresente... - Onde está a minha noiva? Onde está a minha princesa espanhola?
Bom, deve certamente ser esta!
A voz, aquela voz magnífica, detivera-se defronte dela. Joana ergueu-se
com pouca firmeza. Apertou as mãos com força, de cabeça baixa e o olhar fixo
nos nós dos dedos esbranquiçados; o bater do seu coração, de tão alto, devia
ouvir-se em toda a sala. Apareceu uma mão magra e ela fechou os olhos, enquanto
uns dedos longos e suaves lhe erguiam lentamente a cabeça. - Joana? Será esta bela donzela a minha Joana? A voz encantou-a e
ergueu o olhar para ele. Reteve a respiração. Era inacreditavelmente belo. Tão
alto, tão atlético! Tinha o rosto mais belo que Joana jamais vira, com que
jamais sonhara. A sua pele era clara e rosada e o cabelo castanho-claro, quase
louro. Os olhos eram enormes, suaves e muito azuis. E a boca orgulhosa de
lábios cheios era sensual e tentadora. - Joana, não me tinheis dito que éreis
tão bela! Nunca esperei um tal tesouro por esposa. Caros senhores, podeis
retirar-vos.
A paciência de Dom Fradique foi de novo testada. Aquela ordem do
príncipe desafiava todos os códigos de honra e o bom nome de Joana estava em
risco. Porém, ele não tinha qualquer poder perante aquele jovem e era-lhe difícil
suportar a frustração. Olhou para Joana e pigarreou, revelando o seu desagrado.
Joana observou toda a gente a sair da sala, captando pedaços dos seus comentários
em voz baixa: inaceitável, reputação, comprometer, amantes, fascinada, sob o
seu feitiço. Ficaram a sós. - Perdoai-me, querida Joana, pela minha longa e
descarada ausência. Como fui louco. E vós, aqui sozinha. Dizei que me perdoais.
Quantas semanas passara ela só, saudosa, terrivelmente infeliz e até mesmo com medo? E ele, não a
aterrorizara ainda mais havia pouco com o som das botas ferradas a aproximar-se? E agora pedia-lhe que lhe
perdoasse.
- Perdoar, meu Senhor?
Não há nada a perdoar. - Senhor, não! Quero ouvir-vos dizer Filipe. A vossa
bela voz com esse sotaque encantador é música para os meus ouvidos. Deixai-me ouvir-vos
pronunciar o meu nome. Dizei, perdoo-vos, Filipe. - Perdoo-vos, Filipe. - Oh,
que felicidade. Sinto-me no céu. - Ergueu-lhe o rosto e beijou-a. Beijou-a de
novo, ao de leve, mas da terceira vez demorou-se sobre os lábios trementes.
Afastou-a de si para a admirar de novo e ficou encantado com o que viu. Não
podia acreditar na sua boa sorte. Nunca desejara desposar uma princesa de
Espanha. Na verdade, a simples ideia de se ligar fosse como fosse a esse país
era para ele um anátema. Opusera-se fortemente por se ver forçado a este casamento
como parte do tratado entre o pai e Fernando e Isabel. Certamente que o
casamento da irmã com o filho deles seria suficiente para selar o negócio!
As suas simpatias pertenciam à França e não esperava mudar. Fora educado
à moda da Borgonha francesa e a sua língua materna era o francês. Por
conseguinte, era muito natural sentir apenas desprezo por essa terra para além
dos Pirenéus, permanentemente em conflito com os seus amigos franceses. Todavia,
nunca esperara aquilo. Uma bela donzela para se deitar com ele: servia
certamente para dourar a pílula e tornaria as suas obrigações conjugais para
com as casas austríaca e espanhola muito mais fáceis. E Joana? A sua timidez dissolveu-se. Sentia-se cada vez mais
deliciada por ele a olhar, por lhe afagar os cabelos e lhe tocar suavemente nas
faces. Filipe passava-lhe os dedos pelos lábios, cobrindo-lhe depois o rosto e
os lábios com mais beijos. Os seus modos sedutores deram-lhe coragem para
erguer as mãos e acariciar-lhe as curvas dos seus lábios sedutores, delineando
a boca que cobrira a dela, acordando no seu seio sensações novas e
desconhecidas. Joana sabia que não deviam fazer aquilo antes da bênção do casamento,
mas não se importou. Ainda havia pouco desejava ardentemente regressar a
Espanha. Agora ansiava apenas por mais beijos. Estava impaciente por ser de
novo abraçada, desesperada por lhe devolver os beijos com outros, ainda
melhores. – Que pensais, Joana?
- Que devo estar a sonhar. - Joana, abençoado seja o teu coração, isto não é um
sonho. Só nos falta a bênção e, assim que a tivermos, seremos marido e mulher. -
Beijou-a de novo, os beijos cada vez mais ardentes e acendendo no seio de Joana
fogos desconhecidos. Afastou-se dele, ofegante. - Temos apenas de esperar dois
dias, Filipe, e depois… não se atrevia a pensar mais além». In
Linda Carlino, “That Other Joana”, 2007, Joana, a Louca, Editorial Presença,
Lisboa, 2009, tradução de Isabel Nunes, ISBN 978-972-23-4231-5.
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