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No
Oriente
«[…]
Parece-me
ter sido também escripto durante o cruzeiro o seguinte soneto, conservado no Cancioneiro
de Franco Correia:
Ondas,
que, por el mundo caminando,
Contino
vais llevadas por el viento,
Levad
embuelto en vos mi pensamiento
Do está
la que, do está, lo está causando.
Dezilde
que os estoi acrecentando;
Dezilde
que de vida no hai momento;
Dezilde
que no muere mi tormento;
Dezilde
que no vivo ia esperando.
Dezilde
quã perdido me hallastes;
Dezilde
quã ganado me perdistes;
Dezilde
quã sin vida me matastes.
Dezilde
quã llagado me heristes;
Dezilde
quã sin mi que me dexastes;
Dezilde
quã con ella que me vistes.
Quando
Camões voltou a Goa, ancioso por que findasse o seu triennio de serviço militar,
para poder embarcar para o reino, governava a Índia Francisco Barreto, tio de
dona Francisca d'Aragão, a musa invocada para os Lusíadas. Ou por indicações que
lhe foram de Lisboa ou mesmo sem ellas, Francisco Barreto, recorrendo a amigáveis
conselhos ou chegando talvez mesmo a interpor a sua auctoridade, evitou que o apaixonado
poeta satisfizesse o desejo ardente, que lhe
não soffria detença, de tornar a ver, servir e querer a bem-amada. Que vinha
elle fazer para o reino? O governador da Índia teve occasião de conhecer de visu
a exaltação amorosa do poeta, quando em Gôa assistiu á representação do Filodemo,
posto em scena para festejar a sua elevação áquelle cargo. Com que calor, com que
enthusiasmo, saído do fundo do coração, não desempenharia Camões o papel do protagonista,
apaixonado pela filha de seu amo?
Evidentemente
praticar loucuras e comprometter quem, por todos os motivos, devia ser respeitada
e deixada em paz. Não lhe era melhor ir para as Molucas ou para outras terras orientaes
angariar alguns meios de fortuna? Provido ou não d'um cargo, contra vontade ou meio
convencido, o poeta lá foi para o Extremo Oriente, não sem ver em tudo isto o dedo
da infanta, não sem lhe attribuir parte no seu tão longo e misero desterro. Ouçamo-lo:
Com força
desusada
Aquenta
o fogo eterno
Uma ilha,
nas partes do Oriente,
De estranhos
habitada,
Aonde
o duro inverno
Os
campos reverdece alegremente.
A lusitana
gente
Por
armas sanguinosas
Tem della
o senhorio.
Cercada
está de um rio
De maritimas
aguas saudosas.
Das hervas
que aqui nascem
Os gados
juntamente e os olhos pascem.
Aqui
minha ventura
Quis
que uma grande parte
Da vida,
que eu não tinha, se passasse,
Para
que a sepultura
Nas mãos
do fero Marte
De sangue
e de lembranças matizasse.
Se Amor
determinasse
Que,
a troco desta vida,
De mi
qualquer memoria
Ficasse
como historia,
Que de
uns formosos olhos fosse lida,
A vida
e a alegria
Por tão
doce memoria trocaria!
Mas este
fingimento,
Por minha
dura sorte,
Com falsas
esperanças me convida.
Não cuide
o pensamento
Que póde
achar na morte
O que
não pôde achar tão longa vida.
Está
já tão perdida
A minha
confiança,
Que,
de desesperado
Em ver
meu triste estado,
Também
da morte perco a esperança.
Mas oh!
que se algum dia
Desesperar
pudesse, viveria.
De quanto
tenho visto
Já agora
não me espanto,
Que até
desesperar se me defende.
Outrem
foi causa disto,
Pois
eu nunca fui tanto,
Que causasse
este fogo que me incende.
Se cuidam
que me offende
Temor
de esquecimento.
Oxalá
meu perigo
Me fora
tão amigo,
Que algum
temor deixara ao pensamento!
Quem
viu tamanho enleio,
Que houvesse
ahi 'sperança sem receio?
Quem
tem que perder possa
Só pode
recear.
[…]
In José Maria Rodrigues, Camões e a Infanta
D. Maria, Separata do Instituto, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra,
1910, há memória do Mal-Aventurado Príncipe Real Luís Philippe (3 1761
06184643.2), PQ 9214 R64 1910 C1
Robarts/.
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