quarta-feira, 22 de junho de 2016

Vataça. Francisco do Ó Pacheco. «Vataça estava uma mulher linda, nos seus catorze anos e o decote do seu vestido deixava mostrar, francamente, todo o esplendor dos seus formosos seios»

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«(…) A Trancoso acorreram nobres, religiosos e muita gente de todas as terras e lugares da região, para celebrarem o casamento do rei, acontecimento que ficou seguramente na memória de todos aqueles que o viveram e daqueles que o ouviram contar, durante muitos anos. Nos largos e praças da vila assaram se bezerros, cabritos e javalis. O vinho correu das pipas, montadas em cima de carroças e foi servido à discrição aos que quiseram celebrar aquele dia de alegria para todos e em especial para o rei e para a nova rainha de Portugal. A música dos trovadores e jograis inundava as ruas e praças e o povo dançava e cantava de contentamento. Nos dias que se seguiram continuaram os folguedos, testemunhando a alegria do rei Dinis e tiveram lugar vários torneios e justas a cavalo e duelos apeados, à lança e à espada e também, concursos de tiro ao alvo, com arco e flecha, a que Vataça Lascaris também quis concorrer, após autorização de el-rei. E por muito pouco a jovem aia da rainha não ganhou a competição, para descanso de todos os homens que viram de soslaio a presença de uma mulher na disputa. As cavalhadas eram as mais populares, porque dentro das bilhas de barro e das alcanzias estavam apetitosos bolos de mel e sempre que algum cavaleiro, com a sua lança, partia um desses objectos e espalhava pelo chão o seu rico recheio, a criançada e os jovens e alguns mais velhos também acorriam rapidamente e a guerreia que se seguia no meio daquela poeirada forçava a paragem da competição até que tudo estivesse rapado.
Á noite, no castelo, Dinis fazia alarde da sua veia poética e cantava os seus poemas e cantigas de amor e de amigo e ainda, para divertimento de todos, algumas cantigas de escárnio e maldizer. Isabel e Vataça estavam deslumbradas com o seu rei, que ouviam deliciosamente e olhavam embevecidamente. Já tarde, na noite, Isabel foi fazer as suas preces e recolheu aos seus aposentos, deixando Dinis continuar os festejos e folguedos, com toda a sua Corte, em grande animação. Isabel ainda era uma criança, a quem não tinha ainda chegado o baptismo menstrual.
Não era hábito Isabel fazer as suas orações tão fora de horas, pensou Vataça. Talvez fosse a forma de fugir do esposo, enquanto não se sentisse plenamente mulher. Ensinamentos de sua mãe, porventura. Vataça Lascaris continuou no salão com o seu rei. Não se cansava de o ouvir dizer os seus poemas de amor e pedia quase sempre que os repetisse. Dinis prestava-lhe cada vez mais atenção, à medida que a noite avançava e os vapores do vinho o excitavam. Vataça estava uma mulher linda, nos seus catorze anos e o decote do seu vestido deixava mostrar, francamente, todo o esplendor dos seus formosos seios.
A medida que o rei dedicava mais atenção à jovem princesa bizantina, todos os elementos da sua Corte se iam retirando, mansamente, após cumprimentarem respeitosamente sua Alteza Real com as vénias da praxe e desejando ao seu rei todas as felicidades, para si, para a sua jovem esposa e para o reino. Naquela noite Dinis e Vataça ficariam sós, situação que se iria repetir, por muitas noites, ao longo dos anos vindouros. Vataça nunca esqueceu as cantigas e os poemas de Dinis. Quase que era capaz de os dizer de cor, tantas foram as vezes que os ouviu, ao longo dos vinte anos que permaneceu ligada à Corte de Portugal. E como gostava de recordar especialmente aqueles poemas que lhe foram sentimentalmente dedicados! Já haviam passado vinte e dois anos ..., suspirou Vataça Lascaris». In Francisco do Ó Pacheco, Vataça, A Favorita de Dom Dinis, Prime Books, 2013, ISBN 978-989-655-183-4.

Cortesia de PBooks/JDACT