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A Trancoso acorreram nobres, religiosos e muita gente de todas as terras e
lugares da região, para celebrarem o casamento do rei, acontecimento que ficou
seguramente na memória de todos aqueles que o viveram e daqueles que o ouviram
contar, durante muitos anos. Nos largos e praças da vila assaram se bezerros,
cabritos e javalis. O vinho correu das pipas, montadas em cima de carroças e
foi servido à discrição aos que quiseram celebrar aquele dia de alegria para
todos e em especial para o rei e para a nova rainha de Portugal. A música dos trovadores
e jograis inundava as ruas e praças e o povo dançava e cantava de
contentamento. Nos dias que se seguiram continuaram os folguedos, testemunhando
a alegria do rei Dinis e tiveram lugar vários torneios e justas a cavalo e
duelos apeados, à lança e à espada e também, concursos de tiro ao alvo, com
arco e flecha, a que Vataça Lascaris também quis concorrer, após autorização de
el-rei. E por muito pouco a jovem aia da rainha não ganhou a competição, para
descanso de todos os homens que viram de soslaio a presença de uma mulher na
disputa. As cavalhadas eram as mais populares, porque dentro das bilhas de barro
e das alcanzias estavam apetitosos bolos de mel e sempre que algum cavaleiro,
com a sua lança, partia um desses objectos e espalhava pelo chão o seu rico
recheio, a criançada e os jovens e alguns mais velhos também acorriam
rapidamente e a guerreia que se seguia no meio daquela poeirada forçava a
paragem da competição até que tudo estivesse rapado.
Á
noite, no castelo, Dinis fazia alarde da sua veia poética e cantava os seus
poemas e cantigas de amor e de amigo e ainda, para divertimento de todos,
algumas cantigas de escárnio e maldizer. Isabel e Vataça estavam deslumbradas
com o seu rei, que ouviam deliciosamente e olhavam embevecidamente. Já tarde,
na noite, Isabel foi fazer as suas preces e recolheu aos seus aposentos,
deixando Dinis continuar os festejos e folguedos, com toda a sua Corte, em grande
animação. Isabel ainda era uma criança, a quem não tinha ainda chegado o baptismo
menstrual.
Não
era hábito Isabel fazer as suas orações tão fora de horas, pensou Vataça. Talvez
fosse a forma de fugir do esposo, enquanto não se sentisse plenamente mulher.
Ensinamentos de sua mãe, porventura. Vataça Lascaris continuou no salão com o
seu rei. Não se cansava de o ouvir dizer os seus poemas de amor e pedia quase
sempre que os repetisse. Dinis prestava-lhe cada vez mais atenção, à medida que
a noite avançava e os vapores do vinho o excitavam. Vataça estava uma mulher
linda, nos seus catorze anos e o decote do seu vestido deixava mostrar,
francamente, todo o esplendor dos seus formosos seios.
A
medida que o rei dedicava mais atenção à jovem princesa bizantina, todos os elementos
da sua Corte se iam retirando, mansamente, após cumprimentarem respeitosamente
sua Alteza Real com as vénias da praxe e desejando ao seu rei todas as felicidades,
para si, para a sua jovem esposa e para o reino. Naquela noite Dinis e Vataça
ficariam sós, situação que se iria repetir, por muitas noites, ao longo dos
anos vindouros. Vataça nunca esqueceu as cantigas e os poemas de Dinis. Quase
que era capaz de os dizer de cor, tantas foram as vezes que os ouviu, ao longo
dos vinte anos que permaneceu ligada à Corte de Portugal. E como gostava de recordar
especialmente aqueles poemas que lhe foram sentimentalmente dedicados! Já haviam
passado vinte e dois anos ..., suspirou Vataça Lascaris». In Francisco do Ó Pacheco,
Vataça, A Favorita de Dom Dinis, Prime Books, 2013, ISBN 978-989-655-183-4.
Cortesia
de PBooks/JDACT