jdact
Feira
de São Pedro. Shrewbury. Agosto de 1148
«(…)
Fascinado, Brunin aproximou-se e foi de imediato empurrado para o lado por um
cavaleiro de cabelos claros pertencente ao séquito do nobre. Sai da frente,
fedelho, disse com ar de escárnio. Vai para ao pé da tua ama-seca. Brunin
corou. O jovem usava uma túnica vermelha e trazia à cintura um punhal não muito
mais pequeno do que aquele que Mark usava. Uma das mãos pairava junto ao cabo
como se estivesse a pensar desembainhar a arma. Apercebendo-se da ameaça
velada, Brunin começou a ficar nervoso. Perdeu a língua, troçou um outro homem
de azul, mais jovem e mais bem constituído. A menos que seja galês e não nos
entenda. Tem ar de galês, não tem? Brunin ergueu a cabeça. Devido ao esforço
para se manter quieto, todos os músculos do seu corpo estavam rígidos. Não sou
g-galês, disse. O nobre parou de examinar a segunda espada e olhou para eles. Ernalt,
Gerald, deixem o rapaz em paz. Deixem-no olhar, se ele assim o desejar. O seu tom
de voz era tolerante. Como te chamas, rapaz? Brunin fez um esforço para manter as
boas maneiras. Fulke, senhor, disse ele, usando o seu nome formal de nascimento.
Fulke F-FitzWarin... A boa disposição desapareceu dos olhos do homem. De Whittington?
Sim, senhor. E que andas a fazer aqui sozinho no meio das tendas? Estou à espera
do meu pai, respondeu Brunin. O nobre ergueu a cabeça e olhou à volta como se esperasse
descobrir o pai de Brunin no meio da multidão. Então talvez seja melhor não esperares
por ele nas minhas redondezas, disse. A sua voz tinha perdido o tom carinhoso. Se
o teu pai for tão descuidado com as suas terras como é com o filho, talvez acabe
por perder os dois. Voltando as costas a Brunin com um ar deliberado de desinteresse,
entregou a segunda espada ao artesão e começou a discutir as condições.
Brunin
estava estupefacto. Não entendia aquela mudança repentina mas sabia o suficiente
para perceber que a sua presença não era desejada e que isso deveria ter algo a
ver com o pai. Começou a afastar-se e sentiu um forte empurrão nas costas. Desequilibrou-se
e, surpreendido, voltou-se, dando de caras com o cavaleiro louro e o companheiro.
Sabes o que é que acontece a um filhote quando se afasta demasiado da ninhada?,
perguntou o rapaz louro numa voz que oscilava entre a de um rapaz e a de um homem.
Desembainhou o punhal. Brunin engoliu em seco e a sua inquietação aumentou. Achas
que ele está com medo? O rapaz mais encorpado deu outro empurrão a Brunin com
uma expressão predadora nos olhos. Claro que sim. N-não estou nada, contradisse
Brunin. Passava-se algo de estranho com a sua bexiga, era como se o agitar da lâmina
do cavaleiro louro conseguisse controlá-la. O jovem tocou na ponta da arma com
o dedo e depois deslizou o mesmo ao longo da lâmina. Mas devias estar, seu cachorro.
Talvez te corte a tua pequena cauda e te envie para a tua ninhada com um coto, hã?
Deslizou lentamente a lâmina por baixo do nariz de Brunin.
Brunin
retraiu-se. Sabia que não era uma atitude muito adulta, mas não a conseguiu evitar.
Desejou estar de novo na hospedaria com a mãe e irmãos, até com a avó. Desejava
estar ainda com Mark e a morrer de tédio. O cavaleiro de azul agarrou no braço de
Brunin. Queres que o segure? Se quiseres. Brunin sentiu o terror percorrer-lhe
o corpo como ferro derretido. Puxou o pé atrás e deu um pontapé na canela do seu
agressor e, contorcendo-se, mordeu a mão que lhe agarrava o cotovelo. O jovem deu
um grito e largou-o. Brunin começou a correr. Serpenteando pelo meio das tendas,
Brunin foi tão rápido e maleável como uma enguia no meio das rochas, mas os seus
perseguidores também eram rápidos, e eram dois. Brunin disparou na direcção da tenda
onde tinha deixado Mark a beber cerveja e a namoriscar a rapariga mas, para seu
horror, o jovem sargento já lá não estava. A rapariga, inclinada sobre o balcão,
troçou com o rapaz de olhos esgazeados e arquejante: ele foi à tua procura. O tom
de voz dela indicava que estava furiosa por ter sido obrigada a interromper o namorisco.
Estás feito, estás.
Não precisava
que lhe dissessem isso. Por favor..., gemeu com voz rouca, mas era demasiado tarde.
Os cavaleiros agarraram-no com força, um de cada lado. Quando a rapariga olhou desconfiada,
o do cabelo louro piscou-lhe o olho. Pestinha, disse ele. Mais descansada, a rapariga
virou-se, deixando Brunin abandonado à sua sorte. Lutou com todas as forças que
tinha no seu pequeno corpo, mas tal não chegava para se libertar dos vigorosos adolescentes.
As unhas deles enterravam-se-lhe na carne enquanto o arrastavam pelos terrenos da
feira. Uma mão tapou-lhe com força a boca para abafar os gritos e, quando tentou
de novo morder, sentiu a queimadura gelada do aço contra a garganta. De repente
sentiu-se envergonhado por um calor que lhe manchou as calças. Raios, o atrasado
mijou nas calças!, troçou o jovem mais encorpado. O jovem louro bufou e disse:
o que é que se pode esperar de um sangue como o dele? Até é para admirar que seja
vermelho e não amarelo. Mostrou os dedos manchados de sangue a Brunin e depois arrastou-os
ao longo do rosto do rapaz. Se lhe cortares o fígado, aposto contigo meio marco
que este seria da cor dos ranúnculos. Meio marco? Apostado. Rapazes! A voz era peremptória
e ríspida. Através da névoa ardente das lágrimas, Brunin viu a figura escura de
um monge beneditino a bloquear-lhes o caminho, com os braços cruzados bem alto junto
ao peito e com uma expressão severa. O que é que estão a fazer? Não tens nada a
ver com isso, escarneceu o adolescente mais velho». In Elizabeth Chadwick, Sombras e
Fortalezas, 2004, Edições Chá das Cinco, 2009, ISBN 978-989-803-259-1.
Cortesia
de ECdasCinco/JDACT