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«Amani,
só vais até onde te levam os teus pés!, berrou Maha, a minha filha mais velha.
Para enfatizar ainda mais o seu desprezo, rosnou, rodopiando para longe da irmã.
E nem mais um passo! Estremeci de desalento. Onde, e com quem, teria a minha maravilhosa
filha aprendido a uivar como se estivesse possuída? Maha fizera da Europa o seu
lar nos últimos sete anos e eu passara muitas noites ansiosas preocupada com a nova
vida da minha filha mais corajosa no estrangeiro. Seriam aqueles uivos uma
indicação de que viveria uma vida psicótica a milhares de quilómetros de distância
da mãe? Tive pouco tempo para ponderar o bizarro uivo de Maha. Amani, a mais nova
dos meus filhos, e a segunda das raparigas, pôs-se em acção, mostrando o rosto tingido
de um profundo vermelho de raiva ao saltar qual gazela do deserto para cima da irmã
mais velha. Se eu não estivesse presente, as minhas duas filhas adultas teriam certamente
batido uma na outra e possivelmente atirando-se para o chão num confronto físico
semelhante ao que se envolviam quando eram crianças. Agarrei Maha pelo braço e puxei-a
com toda a força. Ela veio contra mim e Amani tropeçou e colidiu com Kareem, o meu
marido, que entrara na sala de estar levado pela explosão de gritos femininos.
O meu
querido marido é um dos pais que há mais tempo sofrem no mundo árabe: antes da visita
de Maha, anunciara que não continuaria a tolerar que ela e Amani se comportassem
como crianças. Afinal, Amani era agora uma mulher casada, e mãe. A nossa filha
mais nova, normalmente, vivia com serenidade, proclamando-se feliz no casamento
e no papel de mãe de um rapazinho. A vida de Maha era o contraste absoluto; vivendo
solteira numa das maiores cidades da Europa, trabalhava como executiva numa das
empresas do pai e tinha uma vida social normal acompanhada dos amigos. Por repetidas
vezes, Maha demonstrou capacidade de gerir facilmente a maior parte dos problemas
do mundo adulto. Kareem lançou-me um olhar de incredulidade antes de levantar a
voz e gritar, para se fazer ouvir acima dos protestos desdenhosos de Amani e
dos guinchos raivosos de Maha. Isto tem de acabar! Já!, ordenou Kareem. Embora as
minhas filhas muitas vezes ignorem as exigências da mãe, é raro furtarem-se a reagir
adequadamente às ordens do pai. Senti-me a presenciar um milagre quando os gritos
e insultos cessaram imediatamente.
Naquele
momento, a minha irmã Sara entrou silenciosamente na sala. Chegara cedo para a festa
organizada pela família para celebrar a visita de Maha. A expressão de Sara
era, como sempre, de uma calma cativante, mas os seus grandes olhos negros aumentaram
bastante de tamanho quando observou que a irmã e o cunhado transpiravam
abundantemente, agarrados às filhas adultas. Sara olhou com interesse para a cena
inusitada durante alguns momentos e depois os seus lábios curvaram-se num sorriso.
Minhas queridas sobrinhas, ainda tão enfeitiçadas pelas brigas, mesmo depois de
dois ossos partidos e um dente lascado? Sara recordava a mais violenta das
batalhas entre as minhas filhas, ocorrida depois de Amani ter cometido a imprudência
de esticar um fio no corredor das traseiras que desembocava num quarto especial
onde se alojavam gatinhos recém-nascidos. Amani via os seus gatinhos como tesouros
tais, que andava completamente obcecada pela ideia de alguém tentar roubá-los e
vendê-los no souk dos animais.
Quis
o destino que Maha se tornasse sua vítima involuntária, quando se apressava a descer
o corredor. Tropeçando no fio, Maha sofreu uma queda violenta que resultou em
dois pulsos partidos, pois amparara o peso do corpo com as mãos. Quando ouviu o
barulho, a pequena Amani correu a descobrir a identidade do ladrão de gatinhos e
descobriu a irmã a contorcer-se de dores. Ignorando que Maha sofria realmente, Amani,
irritada, acusou a irmã de se preparar para roubar os gatinhos todos apenas para
desocupar a casa de mais oito animais de estimação. Quando Amani era
adolescente, a nossa família viajou até Meca para a peregrinação. Durante a cerimónia
religiosa, a fé de Amani transformou-se; se em criança a sua fé estivera
adormecida, em jovem ela apresentou-se determinada a abraçar todos os aspectos da
nossa fé islâmica com uma intensidade angustiante. Desde aquela experiência
religiosa crucial que Amani possuía o hábito infeliz de lançar uma sombra de
dúvida sobre o comportamento de toda a gente, chegando várias vezes a acusar aqueles
que a rodeavam de actos criminosos ou contrários à moral». In Jean Sasson, Vítimas da
Tradição, 1992, Edições ASA, Grupo Leya, 2015, ISBN 978-989-233-039-6.
Cortesia
ASA/JDACT