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de wikipedia e jdact
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Os cavaleiros de Coimbra constituem, porém, um grupo diferente do meio
linhagístico do Norte, a que pertenciam os magnates da corte e os ricos homens
governadores das principais terras, de tradições independentes e mais antigas.
Neste, cultivar-se-iam, pelo contrário, sentimentos de rivalidade que suscitaram
pequenas narrativas depreciativas para com Afonso Henriques, também com
inegáveis resultados textuais preservados pelos Livros de Linhagens, mas que
não deixaram qualquer vestígio na Primeira Crónica, a não ser, na minha
opinião, sob a forma moderada que revestiram as palavras de Soeiro Mendes entre
a primeira e a segunda fase da batalha de S. Mamede. Apesar de interpretáveis,
na opinião de Filipe Moreira, como palavras de um adjuvante do herói, não me
parece que se possa ignorar o evidente tom de censura que a Crónica Portuguesa
lhe atribui: nom fezestes sisso que aa batalha fostes sem mim. Custa-me
a crer que um algum escriba da corte de Afonso III se lembrasse de as escrever
numa obra destinada a exaltar a autoridade régia, se não as tivesse antes lido
ou ouvido em algum lado.
Que
o redactor não ignorava as reservas e resistências suscitadas contra Afonso
Henriques por alguns sectores do reino, é o que se verifica, com toda a
clareza, através das palavras com que, aparentemente, deveria terminar, numa
certa fase do seu trabalho, o texto sobre o seu reinado: e em como foi da
primeira muy esquivo asi tornou despois pela graça de Deus a ser muyto a
serviço de Deus, qua em seu tempo, quando era mancebo, non conhicia tanto Deus
nem sabia que era. Se não é difícil aceitar a tese de uma versão de tipo
cronístico a que um autor único teria procurado dar forma coerente, de certo
modo preservada pelo seu estado actual, não parece razoável ignorar o interesse
de um trabalho mais arqueológico que consiste em identificar a origem de várias
narrativas, sobretudo no caso de indiciarem posições contraditórias de
diferentes grupos sociais, como acontece justamente neste caso.
Vejamos
as outras sequências. A relativa autonomia das duas primeiras é menos evidente
do que a do Bispo Negro. Além do que acabamos de dizer acerca da possível
origem do episódio da intervenção de Soeiro Mendes em S. Mamede, acrescentemos
que não se pode ignorar que a época em que Filipe Moreira situa a redacção da
Primeira Crónica, o fim do reinado de Afonso III ou o principio do de Dinis I,
coincide exactamente com aquela em que se avolumam as resistências
aristocráticas ao cerceamento dos privilégios senhoriais, e começam a surgir
textos que exprimem o dever que o rei tem de reconhecer o que deve às linhagens
pela conquista do reino. Assim acontece, por exemplo, no prólogo do Livro Velho
de Linhagens. O seu autor, conta os linhagens dos bons homens filhos d’algo
do reino de Portugal dos que devem a armar e criar e que andaram a la guerra a
filhar o reino de Portugal. Na mesma ordem de ideias, o conde Pedro apesar
de tão próximo do rei, ao apresentar as razões que o levaram a reunir as suas
genealogias, diz, em quinto lugar, por os rreys auerem de conhecer aos uiuos
com merçees por os merecimentos e trabalhos e gramdes lazeiras que rreçeberom
os seus auoos em se guaanhar esta terra de Espanha per elles.
O
tópico haveria de se manter e exprimir durante muito tempo. Continuava a ser
ideologicamente fundamental basear a reivindicação dos direitos senhoriais na
colaboração que as linhagens mais antigas tinham prestado ao rei na conquista
do território aos mouros. Como se sabe, as tensões entre a coroa e a nobreza
senhorial não cessam de crescer até rebentar a guerra civil de 1319-1325. A
conexão destas rivalidades com as anedotas depreciativas para com Afonso
Henriques registadas pelos Livros de Linhagens é fundamental para esclarecer o
aparecimento e a transmissão de narrativas breves mais ou menos isoladas umas
das outras mas de inegável valor ideológico. A comparação deste género
literário com o género cronístico só pode enriquecer o conhecimento dos fenómenos
de criação literária medieval. Não vejo, pois, nenhuma razão para ignorar ou
desprezar as minhas investigações nesse sentido.
Com
efeito, é importante ter em conta o ambiente de rivalidade entre o rei e as
linhagens mais importantes para compreender o alcance da criação de uma
narrativa cronística destinada (aceitemos a tese de Filipe Moreira) a exaltar a
memória dos reis antecedentes, sobretudo o primeiro deles. Mas o facto de os
materiais usados nem sempre lhe serem favoráveis torna ainda mais interessante
o resultado. Com efeito, dir-se-ia que o redactor, não podendo, ou não
querendo, excluir tradições contraditórias acerca de Afonso Henriques, acaba
por mostrá-lo como personagem marcado pela ambiguidade. Em primeiro lugar, na
narrativa da batalha de S. Mamede, acentua, como vimos, o decisivo apoio das
linhagens e o papel de adjuvante de Soeiro Mendes (hesita
em manter a designação de amo atribuída pela Crónica de Veinte Reyes a Soeiro Mendes, ausente da IV Crónica Breve e do Livro de Linhagens, mas acaba por
omiti-la; o problema prende-se com a lenda de Egas Moniz que noutro trabalho
considerei como criação do trovador João Soares Coelho, para esquecer a sua
origem de uma linha bastarda e justificar a sua ascensão na corte de Afonso
III; seja como for, a dualidade dos nomes parece indicar a existência de
versões alternativas num estádio posterior da transmissão textual. É evidente
que a versão original da Primeira
Crónica favorece a família da Maia ou a de Sousa (Soeiro Mendes) e não
a de Riba Douro (Egas Moniz); mas ficamos sem saber se lhe atribuía ou não a
função da criação)». In José Mattoso, A Primeira Crónica
Portuguesa, Revista Medievalista, Ano 5, Nº 6, Julho de 2009, ISSN 1646-740X.
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