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St.
Briavels. Gloucestershire
«(…) Um táxi fora ao seu. encontro
na estação. Quando atravessaram um rio Wye a cintilar ao brilho do sol primaveril,
uma fila de cisnes, altivos e orgulhosos, avançava majestosamente sobre a água,
e, no outro extremo do rio, um grupo de póneis galeses pastava, um deles com um
pardal pousado na garupa. Ele pediu ao condutor do táxi para parar um momento. Disse
que queria olhar para a vista, mas, na verdade, estava a sentir dificuldades em
respirar. A sensação de asfixia, agora familiar, surgiu repentinamente como um animal
a saltar do meio da escuridão, e fez-lhe o coração disparar e as palmas das mãos
ficarem húmidas e frias. Ia passar. Apagou a beata do cigarro e deixou-se ficar
sentado a respirar da forma mais pausada que conseguiu, tentando concentrar-se apenas
em coisas boas.
Que maravilha, disse ele por fim,
quando a sensação passou. É uma vista linda. É uma manhã perfeita para regressar
a casa, senhor, disse o condutor, com os olhos firmemente virados para a frente.
Está pronto para continuarmos? Sim. Estou pronto. À medida que o carro subia a colina
íngreme, ele concentrou-se furiosamente no campo de gado negro galês à direita,
e na dispersão de casinhas de campo rodeadas por primaveras e crocos de cores vivas.
Estava a regressar a casa. Um longo caminho sulcado conduzia até à quinta;
dali, ele via o estuário do Severn, a reluzir como a concha de um molusco à distância,
e quando a quinta Woodlees ficou visível, os olhos dele encheram-se de lágrimas
impotentes. Esta era a encantadora casa caiada para onde os pais se tinham mudado
há vinte e cinco anos, quando o pai se tinha tornado cirurgião. Com tectos
baixos, sem qualquer característica especial, para além das grandes janelas viradas
a sul, erguia-se sozinha no meio de campos varridos pelo vento.
A pequena mata atrás dela fora onde
ele brincara aos cowboys e índios com a irmã Freya em criança. Faziam igualmente
corridas com os póneis ali, precipitando-se ao longo de trilhos enlameados e por
cima de obstáculos improvisados. Ele nascera atrás da terceira janeia à direita
no primeiro andar. O carro subiu, com um ruído seco, o caminho de entrada por entre
a avenida de tílias que a mãe, uma entusiasta pela jardinagem, tinha plantado nos
dias em que era uma rapariga com saudades da sua família na Provença. A
cintilar com a chuva, gloriosas e verdes, limpas da poeira de Verão, surgiam
como uma visão. Ele começara a odiar as sebes de alfena severamente aparadas que
rodeavam os relvados do hospital. Para lá das árvores, relva nova, novos
cordeiros no campo, toda uma terra na sua adolescência.
A mãe dele desceu o caminho de entrada
a correr quando ouviu o táxi. Esperou-o sob as tílias e tomou o rosto dele entre
as suas mãos. Meu querido Dom, disse ela. Estás novinho em folha. Enquanto caminhavam
de volta para a casa de braço dado, cães andavam à roda das pernas deles e um velho
pónei no campo esticou-se de forma inquisitiva por cima do portão. Como foram as
coisas em Rockfield?, dissera ela. Tudo o que ela sabia a seu respeito era que esse
era o sítio para onde os rapazes queimados eram enviados, para os adaptar de novo
à vida real.
Surpreendentemente
animado, disse ele. Ele falara-lhe da bonita casa perto de Cheltenham, emprestada
por alguma senhora com posses, dos barris de cerveja, das enfermeiras bonitas, das
festas incessantes, das queixas dos vizinhos, que diziam que estavam à espera de
convalescentes, não de rufias. Ao ouvir o riso educado e ansioso da mãe, ele resistiu
à tentação de deixar cair a cabeça como um rapaz culpado; naquela manhã, bem cedo,
tinha estado três mil metros acima do Canal de Bristol, a subir a grande velocidade
sobre ovelhas a pastar, pequenos campos em retalhos, as escolas, os campanários
das igrejas, o mundo inteiro adormecido, e tinha sido estupidamente maravilhoso.
Tiny Danielson, um dos últimos amigos que lhe restava da esquadrilha, conseguira
deitar as mãos a um biplano Tiger Moth guardado num hangar perto de
Gloucester. As mãos de Dom tinham tremido ao apertar o capacete de voo de pele pela
primeira vez em meses, com o coração a bater violentamente enquanto deslizava
cuidadosamente sobre a pista de descolagem com abrigos Nissen espalhados em ambos
os lados, e depois, quando descolou rumo ao azul límpido lá em cima, ouviu-se a
soltar um grito de alegria». In Júlia Gregson, Noites de Jasmim, Edições ASA,
tradução de Ana Pereira, 2012, ISBN 978-989-231-964-3.
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