Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…)
No que diz respeito às mulheres, os meus sentidos nunca me enganam. Pelo menos
não nesse sentido. Ele se referia às flechas estúpidas e ao medo ofegante que
ela sentia, à excitação chocante. Ele sabia. Pior, abordava o assunto em voz
alta. Ele estudava-a, avaliando algo. O olhar dele a atraía e assustava ao
mesmo tempo. Aquele sorriso outra vez, tentando deixá-la à vontade como se a
elogiasse sem usar palavras. Não me atrevo a confidenciar o que tenho sem saber
o papel que desempenha. Sua presença é inesperada. Se estou pagando, por que se
interessa em quem ouve a sua história? Duvido que tenha dinheiro suficiente
para pagar, ainda que eu vendesse. Ela temeu que ele tivesse razão. Tudo nele
denotava a mais alta qualidade. Uma corrente de ouro pendia do colete bordado
com bom gosto, presa a um relógio de ouro, sem dúvida. As dez libras e o
medalhão de ouro que trazia escondidos na bolsa não impressionariam um homem
daqueles. Sujeitava-se a ter feito aquela viagem toda, arriscando a pele e a
reputação, e a acabar falhando só porque as exigências do Dominó seriam
dispendiosas demais.
Ele
observava-a como se ouvisse os seus cálculos mentais. Quer mesmo essa
informação? É tão bonita que eu até lhe dava em troca de um beijo. Um beijo!
Começo a pensar que é um charlatão, se aceita pagamento tão simples. Dá tão
pouco valor aos seus beijos? É
fugaz, o valor de qualquer beijo, por maior que seja. Que triste moral. É
contrária à verdade, espero. Dizem os poetas que há beijos que sustêm a alma de
uma pessoa para sempre. Os poetas são idiotas. A conversa havia tomado um rumo
muito peculiar. Receio que tenha razão, mas espero que não. Daí a minha oferta.
A minha alma me diz que pode ser aquela mulher cujo beijo terá valor eterno.
Que
absurdo ridículo. Ambos sabiam que ele elogiava para servir os seus fins e que
o beijo não era sequer o objectivo. A sua expressão denunciava o jogo ao mesmo
tempo que ele descaradamente o jogava. Devia colocá-lo em seu lugar e fazê-lo
ver que não era uma pateta qualquer que arquejava e desfalecia com as
investidas de um homem belo de olhos desconcertantes e sorriso sedutor. Só que,
apesar das repreensões mentais, sentia mesmo alguma tontura e excitação, para
dizer a verdade. Saía quase um arquejo. Os elogios faziam o seu sangue correr e
pulsar. Tenho que descobrir se você é essa mulher, obviamente, prosseguiu ele. Uma
vez que não quer negociar, vejo-me forçado a roubar. A cabeça dele inclinou-se
e mergulhou. Os seus lábios roçaram nos dela.
O choque
paralisou-a. O coração bateu forte. As flechas provocadoras multiplicaram-se e
espalharam-se por todo o corpo. Roger beijara-a algumas vezes, e embora os
beijos tivessem sido muito agradáveis, o efeito não era comparável. Mas Roger
também não era um estranho, e os beijos dele não tinham sido escandalosos,
perigosos e deliciosamente proibidos. Os lábios dele não se limitaram a pousar
nos dela. Brincavam e mexiam-se e insistiam subtilmente. Uma dentadinha
inesperada fez o seu coração dar uma cambalhota.
Um
novo toque a distraiu. Sobressaltou-a. Outra suavidade, húmida e endiabrada.
Santo Deus, a ponta da língua dele fazia a zona sensível, provocando-lhe
cascatas de arrepios pelo corpo abaixo. No meio do torpor, ela sentiu-o agarrar
suavemente seu pulso, afastando o braço para virar a pistola para a parede à
direita. A arma deixara de os separar, e de protegê-la. A mão dele controlava-a
e à arma, mas este beijo interessava-a muito mais do que a voz da razão, que,
em pânico, tentou emitir um protesto. Ele aproximou-se mais. Ela ficou com o
coração na garganta. A mão direita dele deslizou lentamente pelo pescoço numa
carícia de assombrosa ligação física. Cuidadosa, mas controladora. Calorosa,
mas não completamente doce. A sensação da pele dele na dela e a ligeira
aspereza do seu toque deixaram-na hipnotizada. A sua mão suscitava arrepios
deliciosos. Ele segurou sua nuca e beijou-a novamente.
Mais
impetuoso desta vez. Mais ávido. Mais agressivo. Ele brincava com a vulnerabilidade
dela e manifestava um domínio ao qual, Deus lhe valesse, ela não sabia sequer
como resistir. Havia deixado de reparar que era devassa por permitir, ou que se
estupidificara inexplicavelmente. Um caos de sensações aprazíveis obscurecia
pensamentos assim tão sensatos. A mão esquerda dele deslocou-se, envolvendo a
dela, por cima da pistola. Com dedos carinhosos, cuidadosos, sedutores,
retirou-lhe a arma. A mão subitamente vazia fez com que uma réstia de bom senso
se afirmasse. O que ela estava fazendo? Abriu os olhos, literal e
metaforicamente. O que viu arrancou-a de seu torpor. A porta estava aberta. E
eles não estavam sozinhos. Outro homem estava atrás de Dominó. O sedutor
interrompeu o beijo. Franzindo a testa, seguiu o olhar dela e olhou por cima do
ombro. Atravessou-o uma sensação de alarme. Mas o que...?» In Madeline Hunter, Deslumbrante,
Edições ASA, 2013, ISBN 978-989-232-372-5.
Cortesia de EASA/JDACT