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«Do justo e duro Pedro nasce o brando
(vede da natureza o desconcerto)remisso, e sem cuidado algum Fernando,
que todo o Reino pôs em muito aperto,
que vindo o Castelhano devastando
as terras sem defesa, esteve perto
de destruir-se o Reino totalmente,
que um fraco Rei faz fraca a forte gente».
In Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas.
«Em Janeiro de 1367, o rei Pedro
I, cognominado O Justiceiro, morre em Lisboa deixando o reino para o seu
filho primogénito, Fernando de seu nome. O novo rei de Portugal tem atributos pessoais
louváveis, embora os mais cépticos o considerem fraco. A primeira imagem que o
jovem de vinte e dois anos transmitia ao seu povo era a de um homem valente,
ledo e namorado, amador de mulheres e achegador delas. As virtudes apontadas
ao rei podiam fazer dele um monarca respeitado, talvez até invejado, ainda mais
que estando cerca de muitos homens, posto que conhecido não fosse, logo o julgavam
por rei dos outros. A questão tem mais o que se lhe diga. Nesse tempo, como
em outros, gostar de mulheres ou ser bem-parecido não era condição para triunfar
na vida, quanto mais para chefiar um país. Podia ajudar, mas se compararmos Fernando
I a Pedro I, seu pai, também ele um grande amador, não só com Inês de Castro, também
com Teresa Lourenço e dona Constança, verificamos que não sendo bonito como o filho,
aliou bem os arrebatamentos amorosos a uma boa governação.
Amadores de mulheres somos todos,
até de homens também, como insinua Fernão Lopes na crónica que escreveu de Pedro
I. A interpretação do cronista é arriscada, transparece dela a ideia de que o
pai de Fernando I teve um fugaz interesse por um seu escudeiro, uma relação que
talvez nesse tempo não fosse assim tão extravagante, pois Fernão Lopes dá mais ênfase
às consequências do que à suposta relação: el-rei Pedro I, ao saber que um seu escudeiro
se insinuava nas graças de uma mulher casada, e como quer que ElRey muito (o)
amasse, mais do que se pode aqui dizer, posto de parte todo
o bem-querer, e amor,
mandou-o prender em sua câmara, e mandou-lhe cortar todos aqueles membros que os
homens em mais preço e estima têm, de maneira que não lhe ficou carne até aos ossos.
Não era preciso tanto! Cortar pela
raiz o elemento que entretinha o escudeiro e os amores dele, não se faz. Assim,
tal como o cronista, somos levados a pensar que se tratou de uma manifestação de
ressentimento do monarca Pedro e uma irresponsabilidade de Afonso Madeira, o
jovem escudeiro que se esqueceu da exclusividade que devia ao rei. Não saberia ele
que em questões de preeminência sua senhoria estava em primeiro?
Ao contrário do pai, não consta
que Fernando I tivesse desvios de género, nem que fosse brutal como ele. Era um
homem sensível, um cavaleiro sem sorte, alguém que corria atrás de quimeras à procura
de honra e fama, ignorando a força dos adversários e as suas próprias debilidades.
Era também de uma vaidade ingénua, deixando-se facilmente seduzir por bajulices
oportunistas com que muitos nobres o enredaram. Quando Henrique de Trastâmara, filho
bastardo de Afonso XI de Castela, venceu o meio-irmão, Pedro I de Castela e Leão,
este sim, filho legítimo, primo direito de Fernando, os nobres que respondiam pelo
rei vencido vieram ressabiados procurar apoio em Portugal e encher a cabeça de Fernando
com juras, adesões, promessas de fidelidade, tudo fantasias que o jovem monarca
não soube discriminar.
Quantos mais fidalgos galegos Fernando
recebia, e foram muitos, mais fantasias territoriais o rei concebia. Levado por
uma ambição construída por outros, começou logo a pagar por conta: permitia aos
que vinham lisonjeá-lo vida sossegada e abastada, cedia-lhes bocados de
Portugal, premiava a sabujice com somas consideráveis de dinheiro. Anos mais tarde,
já depois de Fernando I perder as ilusões e Henrique governar Castela com mão
de ferro, Afonso Mujica, um fidalgo menor que também veio louvar o rei, pedir guarida
e prometer o que não tinha, comentou mordaz numa roda de outros nobres como
ele, tudo quanto o rei lhe deu: trinta cavalos, trinta mulas, trinta corpos de
armas de todas as peças, trinta mil libras de prata lavrada, quatro azémolas muito
bonitas carregadas de tapeçarias e roupa de cama; e ainda uma provisão, pela qual
lhe dava de juro a vila de Torres Vedras.
A guerra e a diplomacia foram duas
das tarefas que o rei também não soube exercer; lutou contra adversários que não
podia vencer, construiu alianças errando no tempo e nos protagonistas. Os erros
foram muitos, mas aqueles que trouxeram ao rei uma vida desafortunada estão
ligados ao período em que este invadiu a Galiza e se apaixonou por dona Leonor Teles,
mulher de carácter forte e pensamento ambicioso, determinada a conquistar-lhe o
corpo e sobretudo a autoridade». In Jorge Sousa Correia, A Tentação de D.
Fernando, Clube do Autor, 2017, ISBN 978-989-724-344-8.
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