sexta-feira, 26 de maio de 2017

O Pecado Espanhol. Carlota Joaquina. «Fosse como fosse, o resultado destas provas de Carlota deu origem a uma Oración Gratulatoria publicada pela própria academia em finais de Fevereiro»

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«(…) Por causa dos problemas surgidos no passado com este tipo de pessoal estrangeiro, quando uma infanta espanhola se casava com um príncipe português (ou vice-versa), geralmente, os cortesãos do séquito permaneciam do seu lado da fronteira. Com isto, procurava-se uma mais rápida adaptação da recém-chegada aos costumes da nova corte, e evitar a formação de camarilhas suspeitas na câmara da recém-chegada. Até uma infanta conhecida pela sua prudência, como a imperatriz Isabel, casada com Carlos V, se viu obrigada a prescindir de muitos dos seus cortesãos portugueses pouco depois de chegar a Espanha, devido aos ciúmes que estes provocaram nos seus homólogos castelhanos, neste caso porque a remuneração que pagava o rei de Portugal, o Afortunado era muito mais elevada.
Indo contra este costume, a 26 de Fevereiro de 1785 Floridablanca escreveu a Louriçal informando-o de que Carlota iria acompanhada por uma camareira, uma moça de retrete e o padre Filipe, mais seis professores de Sua Alteza, dos quais não fornecia os nomes. É possível que esta excepção a uma regra estivesse relacionada com a pouca idade da infanta, se bem que no passado tenham ocorrido casos de algumas de 4 anos que passaram completamente sozinhas para o outro reino. Segundo o estipulado, todas as pessoas que formavam o séquito de Carlota podiam permanecer em Portugal por um período de dois anos ou o que fosse a vontade do rei (de Espanha), o qual continuaria a ser o responsável pelas remunerações que actualmente auferem e que continuarão a auferir durante a sua ausência, fórmula ambígua que acaba por não explicar se o monarca espanhol também lhes pagaria o que ganhavam em Portugal (algo que logicamente aumentava o controlo sobre eles e a dependência portuguesa).
No dia 28 de Fevereiro a infanta revalidou os seus exames perante os membros da Real Academia de História. Estas provas devem ser entendidas, antes de mais, como a exibição das qualidades da noiva que estava prometida ao infante português e, mas também como um tributo à moda, muito comum então em Espanha, de expor publicamente as capacidades intelectuais das mulheres da alta nobreza. Algumas delas eram membros da Academia, perante a qual costumavam dissertar sobre os mesmos temas que naquela altura mantinham ocupadas as salonières pertencentes à aristocracia francesa.
Um dos casos mais emblemáticos tinha sido recentemente o de dona Mariana Silva, mãe da décima terceira duquesa de Alba, nesse momento grande rival da rainha Maria Luísa de Parma. De facto, Teresa Cayetana Alvarez Toledo Silva tinha tido a sua iniciação cultural nessa academia, assistindo, quando ainda não tinha feito 6 anos, a uma conferência da sua mãe, dona Mariana, erudita, ensaísta e tradutora, de quem a filha tinha herdado o gosto pelo pensamento e a cultura espanhola, mas sem a profundidade intelectual e a paciência necessárias para se dedicar com seriedade aos estudos. A duquesa de Alba e o seu marido, o duque de Medina Sidónia, formavam assim parte do círculo mais íntimo do infante Gabriel, o mais culto, dos membros da família real e que em breve se iria converter no marido da infanta dona Maria Ana de Bragança.
É possível que a rivalidade que sentia face à duquesa tivesse feito aumentar em Maria Luísa o desejo de ostentar diante dela um bem que a Alba nunca tinha possuído, pois era estéril. Fosse como fosse, o resultado destas provas de Carlota deu origem a uma Oración Gratulatoria publicada pela própria academia em finais de Fevereiro, na qual se fazia referência à particularidade de ter tido o director... a honrosa responsabilidade de confirmar num exame privado o seu aproveitamento e singulares talentos em tão tenra idade, servindo de exemplo o cuidado dos seus augustos pais, e que deveriam imitar os particulares de todas as classes...» In Marsilio Cassotti, Carlota Joaquina, O Pecado Espanhol, tradução de João Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-626-170-2.

Cortesia EdosLivros/JDACT