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«(…) Por causa dos problemas
surgidos no passado com este tipo de pessoal estrangeiro, quando uma infanta espanhola
se casava com um príncipe português (ou vice-versa), geralmente, os cortesãos do
séquito permaneciam do seu lado da fronteira. Com isto, procurava-se uma mais rápida
adaptação da recém-chegada aos costumes da nova corte, e evitar a formação de camarilhas
suspeitas na câmara da recém-chegada. Até uma infanta conhecida pela sua prudência,
como a imperatriz Isabel, casada com Carlos V, se viu obrigada a prescindir de muitos
dos seus cortesãos portugueses pouco depois de chegar a Espanha, devido aos ciúmes
que estes provocaram nos seus homólogos castelhanos, neste caso porque a remuneração
que pagava o rei de Portugal, o Afortunado era muito mais elevada.
Indo contra este costume, a 26 de
Fevereiro de 1785 Floridablanca escreveu a Louriçal informando-o de que Carlota
iria acompanhada por uma camareira, uma moça de retrete e o padre Filipe, mais seis
professores de Sua Alteza, dos quais não fornecia os nomes. É possível que esta
excepção a uma regra estivesse relacionada com a pouca idade da infanta, se bem
que no passado tenham ocorrido casos de algumas de 4 anos que passaram completamente
sozinhas para o outro reino. Segundo o estipulado, todas as pessoas que formavam
o séquito de Carlota podiam permanecer em Portugal por um período de dois anos ou
o que fosse a vontade do rei (de Espanha), o qual continuaria a ser o
responsável pelas remunerações que actualmente auferem e que continuarão a auferir
durante a sua ausência, fórmula ambígua que acaba por não explicar se o monarca
espanhol também lhes pagaria o que ganhavam em Portugal (algo que logicamente aumentava
o controlo sobre eles e a dependência portuguesa).
No dia 28 de Fevereiro a infanta
revalidou os seus exames perante os membros da Real Academia de História. Estas
provas devem ser entendidas, antes de mais, como a exibição das qualidades da
noiva que estava prometida ao infante português e, mas também como um tributo à
moda, muito comum então em Espanha, de expor publicamente as capacidades intelectuais
das mulheres da alta nobreza. Algumas delas eram membros da Academia, perante a
qual costumavam dissertar sobre os mesmos temas que naquela altura mantinham ocupadas
as salonières pertencentes à aristocracia francesa.
Um dos casos mais emblemáticos tinha
sido recentemente o de dona Mariana Silva, mãe da décima terceira duquesa de Alba,
nesse momento grande rival da rainha Maria Luísa de Parma. De facto, Teresa Cayetana
Alvarez Toledo Silva tinha tido a sua iniciação cultural nessa academia, assistindo,
quando ainda não tinha feito 6 anos, a uma conferência da sua mãe, dona
Mariana, erudita, ensaísta e tradutora, de quem a filha tinha herdado o gosto
pelo pensamento e a cultura espanhola, mas sem a profundidade intelectual e a paciência
necessárias para se dedicar com seriedade aos estudos. A duquesa de Alba e o seu
marido, o duque de Medina Sidónia, formavam assim parte do círculo mais íntimo do
infante Gabriel, o mais culto, dos membros da família real e que em breve se iria
converter no marido da infanta dona Maria Ana de Bragança.
É
possível que a rivalidade que sentia face à duquesa tivesse feito aumentar em Maria
Luísa o desejo de ostentar diante dela um bem que a Alba nunca tinha possuído, pois
era estéril. Fosse como fosse, o resultado destas provas de Carlota deu origem a
uma Oración Gratulatoria publicada pela própria academia em finais de
Fevereiro, na qual se fazia referência à particularidade de ter tido o director...
a honrosa responsabilidade de confirmar num exame privado o seu aproveitamento
e singulares talentos em tão tenra idade, servindo de exemplo o cuidado dos seus
augustos pais, e que deveriam imitar os particulares de todas as classes...» In Marsilio Cassotti,
Carlota Joaquina, O Pecado Espanhol, tradução de João Boléo, A Esfera dos
Livros, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-626-170-2.
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