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Cochim
«Na boca deste rio [de Cochim] tem
el-rei nosso senhor uma fortaleza mui formosa, derredor da qual está uma grande
povoação de portugueses e cristãos naturais da terra, que se fizeram cristãos depois
de assentada nossa fortaleza (…). [Na] povoação de Cochim há el-rei, nosso senhor
corregimento de suas naus e outras se fazem de novo, assi galés e caravelas, em
tanta perfeição como que se fizessem na ribeira de Lisboa. Aqui se carrega grande
soma de pimenta e outras muitas especiarias e drogarias que de Malaca vêm e daqui
se levam cada ano a Portugal. El-rei de Cochim tem muito pequena terra e não era
rei antes que os portugueses descobrissem a Índia, porque todos os reis que novamente
reinavam em Calecut tinham por costume e lei que, entrando em Cochim, tirado el-rei
fora de seu estado, meterem-se em posse; e, se lhe prazia, tornavam-lho a dar ou
não. El-rei de Cochim lhes dava cada ano certos elefantes, mas não podia fazer moeda,
nem cobrir seus paços de telha sob pena de perder a terra. Agora que el-rei nosso
senhor descobriu a Índia o fez rei isento e poderoso. (Livro em que dá relação
das cousas que viu e ouviu no Oriente Duarte Barbosa, 1516)
Quem se senta ao fundo do poço para
contemplar o céu, há-de achá-lo pequeno (hindu)
Carta de el-rei de
Calecut a el-rei de Cochim:
Samorim, a ti Trimumpara, rei de Cochim,
te faço saber que a mim é dito que tu recolhes e favoreces os cristãos em tua terra
(...); e porque o [que] lhes fazes farás por não saber o nojo e destruição que deles
tenho recebido, matando minha gente, queimando minhas naus, com outras coisas que
calo, em que recebo grande pesar; pelo qual te rogo que olhes quanto amigos sempre
fomos e como todos somos de uma terra e natureza; pela razão que para isso
temos, não queiras perder a mim por homens que têm vida de ladrões roubadores, que
andam para subjugar reis e terras em quem se perderá todo bem que neles se fizer.
E estimá-lo-ei muito para to pagar em boas obras, quando as de mim houveres mister.
Carta de el-rei de
Cochim a el-rei de Calecut:
Trimumpara, a ti Samorim, rei de Calecut,
(…) ao que dizes que recebes nojo em eu recolher em minhas terras os cristãos e
lhes dar carga para as suas naus e mantimentos por seus dinheiros, tu o não deves
ter por mal, porque obrigado sou a isso. Dizes que são ladrões; não os conheço por
tais, antes, neste pouco tempo que com eles tratei, os achei muito bons e verdadeiros,
e de tal gente não deves haver por mal enobrecer minha terra e porto, pois
sabes que todas disso vivemos. Eu folgo muito com a tua amizade, camo tu sabes e
é razão. Rogo-te que te não agraves de mim, porque será sem nenhuma razão, que
em tua terra os tiveste e dela os deitaste, matando-os. Eles, desacorridos, se vieram
a mim, e comigo assentaram paz, ficando alguns deles sob a minha guarda e amparo
e seria assaz de mau exemplo se, sem causa, os lançasse fora.
Com o corpo mais composto de carnes
e de ânimo novamente esperançoso, porque tristezas não pagam dívidas, e quem
não se quer aventurar não deve passar o mar, Fernão Mendes Pinto achava que as provações
por si sofridas, enquanto cativo de mouros, tinham sido expiação mais que suficiente
para todos os pecados que até então cometera, pelo que Deus lhe haveria de dar ocasião
de enriquecer na Índia. Queria tentar a sua sorte em Goa, por isso embarcara na
nau Cisne de Jorge Fernandes Taborda, que lá ia vender cavalos persas e arábios
de Ormuz, um rico negócio, segundo dizia o capitão, apesar do dito dos mouros que
naquelas partes se fizera anexim: se não houvera sofrimento, não houvera já mundo;
e se não houvesse cavalos, não haveria guerra.
Se os ventos bonançosos e a boa navegação
se mantivessem, não tardariam a chegar à vista da fortaleza de Diu, um desvio
na sua derrota, rota, navegação, para deixar alguns soldados de reforço à fortaleza,
por haver notícia de que se aprontava uma armada dos rumes (turcos de
Constantinopla) contra os portugueses. Fora de Diu que partira, há quase um ano,
para a sua primeira e desafortunada aventura no mar Roxo, que tivera tão bons começos,
mas, como tudo na sua vida, acabara muito mal, lançando-o na mais negra
escravatura. Apesar da beleza e riqueza de Ormuz, a Pedra do Anel da
Pérsia, que o deixaram deslumbrado, jurou jamais volver aos mares da Arábia, para
não correr o risco de cair de novo nas garras de mouros ou turcos». In Deana
Barroqueiro, O Corsário dos Sete Mares, Casa das Letras, Oficina do Livro,
2012, ISBN 978-972-462-117-3.
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