domingo, 7 de maio de 2017

Os Sete Minutos. Irving Walace. «Desviou o olhar para o que estava exposto na vitrina. Apesar de atulhada com três altas pirâmides de volumes, continha apenas um único livro»

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«(…) Abriu a porta que ficava a seu lado, levantando-se firme do carro, fechou-a e permaneceu um instante imóvel na calçada, arranjando o casaco. Depois, com o ar mais natural, passou pela joalharia, aproximou-se da livraria, parando diante da entrada, e foi postar-se em frente da vitrina. No canto direito havia uma reprodução de Pégaso, tendo em baixo, com letra caprichada, cheia de arabescos, os dizeres: Empório de Livros Ben Fremont, Fundado em 1947. No canto oposto da mesma vitrina, preso com fita durex e à altura da vista, estava colado o anúncio de página inteira de jornal de um novo romance. Kellog deslocou-se para perto do anúncio. Analisou o cabeçalho: Preparem-se para o acontecimento editorial da próxima semana!
Os olhos de Kellog percorreram rapidamente o resto do texto. Após 35 anos de proibição, o romance mais injuriado e elogiado de todos os tempos, escrito por um americano expatriado, será finalmente entregue ao público. É preciso ler: nunca houve na história da literatura outra obra mais condenável do que esta. Observatore Romano, Roma. É preciso ler: o livro mais pornográfico que foi escrito depois que Gutenberg inventou a imprensa... Fascinante como revelação íntima, mas imperdoável como confissão pública. Le Figaro, Paris. É preciso ler: uma das obras de arte mais francas, sensíveis e ilustres criadas na moderna literatura ocidental. Sir Esmond Ingram, London Times: com legítimo orgulho a editora Sanford House oferece à América e ao mundo a versão original, sem cortes, de um clássico clandestino moderno; Os sete minutos de JJ Jadway.
Kellog percebeu ainda que havia mais, mas não se deu ao trabalho de ler. Já tinha lido tudo no jornal de domingo. Desviou o olhar para o que estava exposto na vitrina. Apesar de atulhada com três altas pirâmides de volumes, continha apenas um único livro, ostentando o mesmo título inconfundível. Cada exemplar apresentava a sobrecapa branca, em cuja cobertura se via o desenho delicado da silhueta de uma mulher nua, deitada de costas, com os joelhos erguidos e bem abertos. Por cima, em letras vermelhas, imitando artisticamente uma caligrafia, vinha o título: Os Sete Minutos e, logo abaixo, de JJ Jadway. Pois é.
Kellog enfiou a mão direita no casaco, tacteou por baixo do braço, apalpou a frieza metálica e julgou chegado o momento oportuno. Entrou depressa na loja. Era uma livraria clara, alegre, cheia de desordem. No centro da parte inferior havia mesas rectangulares, com pilhas de edições recentes. Parado junto da que ficava mais próxima, repleta de exemplares de Os Sete Minutos, Kellog examinou o ambiente. Viu duas pessoas ao fundo, pelo jeito fregueses: um senhor de idade a vasculhar as prateleiras sob um cartaz que indicava brochuras e uma mulher baixa, provavelmente com os filhos, a ler títulos perto de uma tabuleta que dizia livros infantis. A curta distância de ambos, uma gorda, de avental, tirava volumes de uma caixa de papelão, colocando-os em cima de uma mesa.
Depois Kellog pressentiu outra pessoa no recinto. À esquerda, a uns cinco metros de onde se encontrava, as estantes formavam uma espécie de nicho na parede, cuja parte aberta era barricada por um balcão, sobre o qual havia uma caixa registradora e outra pilha de exemplares de Os Sete Minutos. Atrás, instalado num banquinho, folheando facturas, estava um homem de constituição magra que teria, no máximo, quarenta anos. Para compensar o cabelo ralo no topo do crânio, tinha hirsutas suíças castanhas. Usava óculos de lentes grossas, de aro metálico, que lhe desfiguravam os olhos. O nariz era em bico, o queixo prognato (que tem as maxilas alongadas) e a pele de um rosa descorado. Abotoara o pulóver castanho nas casas trocadas.
Kellog nunca o tinha visto antes, mas Iverson sim, e dera-lhe a descrição completa. Kellog suspendeu a respiração e dirigiu-se rigidamente à caixa registradora. Soltou o fôlego.  Olá!, disse o agente de seguros, que reservara a manhã para fazer compras para a esposa. O homem franzino e míope levantou os olhos, já com um sorriso preparado para agradar ao comprador. Bom dia, respondeu cortês. Desceu do banquinho, pondo as facturas de lado. Tem algum livro em vista ou prefere dar uma olhadela por sua conta? Mr. Fremont, Ben Fremont..., ele está? Sou eu. Ah, que bom encontrá-lo. Estava a procurar lembrar-me se tinha estado antes aqui alguma vez. Muito simpático. Eu devia arranjar mais tempo para a leitura, mas vivo ocupado de mais com esta vida de correr o tempo todo na rua. Lá em casa a leitora da família é a patroa. Compra sempre aqui na loja. Quero dizer, de vez em quando passa por aqui. Óptimo, disse Ben Fremont. Então devo conhecê-la de nome... Não. Ela só vem uma vez por outra. Pois é. E eu não gosto que ela faça muita despesa. Sabe como são as mulheres. Claro, é lógico.
Em todo o caso, vim cá a pedido dela. Parece que teve um ataque de cálculo renal». In Irving Walace, Os sete Minutos, 1969, Livros do Brasil, colecção Dois Mundos, 1988, ISBN 978-972-380-948-0.

Cortesia de LdoBrasil/JDACT